O Caminho Teosófico Requer Bom Senso
 
 
William Q. Judge
 
 
 
William Q. Judge (1851-1896)
 
 
 
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Nota Editorial:
 
No texto a seguir, quando William Judge se refere a
“Sociedade Teosófica” ou simplesmente “Sociedade”,
devemos entender “movimento teosófico”.  Mais de um
século depois da sua criação, o movimento inclui um número
significativo de organizações, entre elas a Loja Independente
de Teosofistas.  Desde um ponto de vista clássico, “o movimento
teosófico consiste de todos aqueles que, independentemente das
suas condições  e do que já alcançaram, fizeram um compromisso
silencioso de obter a libertação de todos os seres.  À medida que os
ciclos mudam e o carma se concretiza, floresce, e desaparece, as
condições se alteram.[1] Assim,  o texto a seguir se aplica a quem
estuda a sabedoria universal,  independentemente da sua religião ou
filosofia preferida. O artigo “Evitando Hipocrisia e Ignorância” tem
a assinatura de Eusebio Urban, um dos pseudônimos usados por WQJ.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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Há  alguns membros da Sociedade Teosófica que podem ser criticados por caírem na hipocrisia ou por ignorarem os seus erros e limitações. Tendo estudado a literatura do movimento e tendo aceitado a maior parte das suas doutrinas, eles falam para outros membros ou para pessoas de fora do movimento como se a meta da renúncia e do conhecimento universal tivesse sido alcançada, no seu caso, quando na verdade uma rápida observação revela que eles são seres humanos bastante comuns.
 
Se alguém aceita a doutrina da Fraternidade Universal, que é baseada na unidade essencial de todos os seres humanos, ainda há uma grande distância entre tal aceitação e a sua realização prática, mesmo no caso daqueles que adotaram a doutrina como norma de vida.  Essa é a diferença entre a concordância intelectual  com uma lei moral, filosófica, ou oculta, e o seu perfeito desenvolvimento em nosso ser de modo que ela se torne parte de nós mesmos.  Assim,  quando ouvimos um teosofista dizer que ele poderia ver  seus filhos, sua esposa ou seus pais morrer sem ter sofrimento algum, devemos deduzir que há uma pretensão hipócrita, ou uma ignorância muito grande.  Há uma outra conclusão a ser tirada, a  de que estamos diante de um monstro incapaz de qualquer sentimento,  e em quem o egoísmo predomina completamente.
 
As doutrinas da Teosofia não pedem pela  destruição de todos os sentimentos no coração humano, nem levam a essa ruptura.  Na verdade, isso é impossível – alguém pensaria –,  já que os sentimentos são parte integrante da constituição do ser humano, e porque no princípio chamado Kama [2] – os desejos e sentimentos – nós temos a base de todas as nossas emoções; se ele for cortado prematuramente de qualquer ser pode ocorrer a morte ou algo ainda pior.  É verdade, sem dúvida, que a teosofia, assim como todos os sistemas éticos, exige que um ser dotado de consciência e vontade, como o homem, controle seu princípio Kama e não seja carregado por ele nem fique sob a influência das suas oscilações.  Isto é autocontrole, é o domínio do corpo humano, é a firmeza diante do sofrimento, mas não é a eliminação dos sentimentos que se deve controlar.  Se há algum livro teosófico que trata bem desse assunto, esse livro é o “Bhagavad Gita”, e nele Krishna está constantemente demonstrando a doutrina de que todas as emoções devem ser controladas, que não devemos apegar-nos à dor pelo que é inevitável – como a morte – nem ficar demasiado contentes com o sucesso, nem desanimar com o fracasso, mas manter um estado de espírito constante diante de cada situação, seja ela qual for,  ficando satisfeito e seguro de que as qualidades circulam no corpo em sua própria esfera. Krishna não diz, em lugar algum, que devemos  tentar eliminar do nosso ser interior alguma das suas partes integrantes.
 
Mas, ao contrário da maior parte dos outros sistemas de ética, a teosofia é também científica, e essa ciência não é alcançada quando alguém que se aproxima dela pela primeira vez  nessa encarnação ouve falar dessas altas doutrinas e concorda com elas intelectualmente.  Porque não é possível ter a pretensão de haver alcançado a perfeição e o desapego em relação às questões humanas, que está presente nessa situação, quando no mesmo momento em que as palavras são ditas o observador percebe em quem fala todas as peculiaridades de família, para não mencionar as peculiaridades que dizem respeito a seu país, incluindo a educação e as características raciais com que nasceu.   E essa parte científica da teosofia,  que começa e termina com a fraternidade universal, insiste em que deve haver um pensamento intenso e constante sobre esse tema,  combinado com uma vigilância permanente sobre todos os erros de pensamento e de palavra, a tal ponto que, a seu devido tempo, uma real mudança ocorre tanto na pessoa material quanto na pessoa imaterial, dentro da qual  está o mediador ou o caminho entre o homem inferior, puramente corporal,  e o seu eu divino, Superior.  Essa mudança, naturalmente, não pode ocorrer subitamente nem no decorrer de anos de esforço.
 
A  acusação de pretensão e de ignorância é ainda mais grave no caso dos teosofistas que cometem esse erro e que acreditam – o que ocorre com muitos – que mesmo naqueles discípulos cujos deveres no mundo inexistem desde o primeiro momento, e que se devotaram à autorrenúncia e ao autoestudo até tal ponto que estão imensuravelmente além dos membros da Sociedade, os defeitos devidos a características familiares, tribais e nacionais são observáveis de vez em quando.
 
Parece ser tempo, portanto, de que nenhum teosofista jamais exiba para qualquer um a pretensão de que alcançou aquele alto nível que de vez em quando alguns fingem haver alcançado.  É muito melhor estar conscientes dos nossos defeitos e das nossas fraquezas, sempre prontos a reconhecer o fato de que, sendo humanos, nós não somos capazes de alcançar em todos os casos, ou com rapidez, a meta dos nossos esforços.
 
Eusebio Urban.
 
NOTAS:
 
[1]  Da revista “Theosophy”, edição de julho/agosto de 2006, p. 182. (CCA)
 
[2] Kama. Para a Teosofia de H. P. Blavatsky, assim como para a Jnana Ioga e outros sistemas orientais, o ser humano  tem sete princípios ou níveis de consciência:  1) sthula sharira (corpo físico); 2) prana (energia vital); 3) linga sharira (duplo sutil, que inclui a carga genética e os arquétipos energéticos);  4) kama (princípio emocional, sede das paixões animais); 5) manas (mente); 6) buddhi (luz espiritual, inteligência superior); e 7) atma (o princípio supremo, verdadeiro ser, que não pode ser descrito em palavras). (CCA) 
 
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O texto acima foi publicado inicialmente na revista “Path”, de Nova Iorque,  edição de dezembro de 1891.  Título original: “Hypocrisy or Ignorance”.
 
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
 
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