Como Lidar Com Dinheiro, De Acordo Com
A Proposta Original do Movimento Teosófico
 
 
William Q. Judge
 
 
 
 
 
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Nota Editorial de 2017:
 
O artigo a seguir foi publicado inicialmente na
revista teosófica “The Path”, de Nova Iorque, em
sua edição de fevereiro de 1894, pp. 354-357. Título
original: “Of Funds and Property”. O leitor deve levar
em conta que a Sociedade Teosófica das primeiras décadas
do esforço esotérico moderno, mencionada no texto,  já
não existe. Há hoje um movimento teosófico amplo e diverso.
 
William Judge aborda a política original do
movimento teosófico em relação a bens materiais. Essa
mesma filosofia da simplicidade dos primeiros tempos
guia a ação da Loja Independente de Teosofistas, LIT.   
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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Em determinado momento da história da Sociedade Teosófica, alguns pensaram que um Fundo da Sociedade era um pré-requisito indispensável para que o movimento crescesse.
 
Esta era uma ideia que surgia naturalmente para a mentalidade ocidental, porque a maior parte dos progressos do Ocidente são resultado do uso de dinheiro. Mas quando alguém tem um bom conhecimento da natureza humana, e lembra do que aconteceu em outras organizações, percebe sem esforço que, embora o dinheiro seja necessário para conseguir alimento, não é absolutamente necessário para o trabalho da Sociedade Teosófica.
 
A Igreja Católica Romana é provavelmente a organização religiosa mais poderosa. Ela controla grandes somas de dinheiro e possui as melhores propriedades em todos os lugares, mas as suas grandes vitórias têm sido na produção de dogmatismo e na dominação das mentes dos seres humanos. A sua vitória mais recente, alguns meses atrás, consistiu em obrigar St. George Mivart, um católico romano, a se retratar em relação ao que disse quando sugeriu, em uma publicação importante, que a condenação eterna é impossível.
 
A Igreja Metodista e outras Igrejas dos setores dissidentes do cristianismo promovem grandes empreendimentos missionários, para os quais recebem milhões de dólares de seus seguidores. O resultado é que pagam os salários de muitos missionários, possibilitando que seus secretários nos Estados Unidos acumulem dinheiro enquanto produzem apenas alguns poucos novos seguidores no exterior, e mantêm assim a falta de fraternidade entre o Oriente e o Ocidente, estimulando a ideia de que os pagãos estão condenados.
 
Se a Sociedade Teosófica – como organização – tivesse tido sempre um Fundo e bens materiais, sempre haveria aqueles que, movidos por intenções egoístas, lutariam para obter a posse do dinheiro e utilizar a propriedade para seu próprio benefício. Mas sem um fundo que pertença a alguma Tesouraria, a Sociedade tem crescido constantemente, tanto em influência quanto em quantidade de participantes. Isso ocorre porque, em vez de dinheiro para ser disputado, nós temos tido um ideal inspirador; e, em vez de fundos corporativos com os quais trabalhar, temos tido devoção. Isso faz com que os membros usem no trabalho da organização os seus próprios meios particulares, sem serem restringidos pelas regras de uma tesouraria. Assim, a Sociedade é pobre, e esperamos sinceramente que ela permaneça sempre sem algum fundo que seja uma tentação para a cobiça humana.
 
A sede geral nos Estados Unidos, situada em Nova Iorque, é uma propriedade cujo título de posse foi transferido à loja local. Esta é uma pessoa jurídica formada com a finalidade de administrar a propriedade. A sede não pertence à Sociedade Teosófica, mas está colocada a serviço dela, com o mesmo espírito de devoção que tem inspirado todos os verdadeiros trabalhadores teosóficos.
 
A sede em Londres também pertence a um grupo de pessoas e não à Sociedade Teosófica.
 
Excepcionalmente, a sede em Adyar pertence – como um centro – a toda a organização teosófica. Alguns disseram que todas as doações, todas as heranças, legados de propriedades, todas as aquisições gerais de todas as propriedades destinadas ao trabalho da Sociedade Teosófica devem ser da Sociedade Teosófica, como beneficiária legal; mas não posso concordar com este ponto de vista.  
 
Os recursos usados no trabalho, à parte dos recursos pertencentes às várias seções e gastos durante o ano, devem permanecer como propriedade particular das pessoas que os dedicam ao trabalho da Sociedade, para que elas os usem livremente e de qualquer maneira ditada por suas consciências.
 
Se acumularmos um grande fundo corporativo, também vamos acumular em torno dele os seres humanos que, tanto consciente como inconscientemente, escondem as suas intenções, que pedem para trabalhar com o objetivo de serem pagos, e que, como membros da entidade que é proprietária do Fundo, têm o direito de exigir a divisão dos bens. Que os céus nos protejam de uma situação destas! Se as pessoas têm dinheiro e desejam dedicá-lo em grandes somas para o trabalho da Sociedade, elas mesmas devem usá-lo no âmbito da atividade em curso, ou entregá-lo a trabalhadores dedicados que tenham demonstrado que o centro das suas vidas é o autossacrifício em benefício do todo.
 
Vejamos alguns exemplos concretos.
 
Na Seção norte-americana, por exemplo, não são pagos salários, a menos que se chame de salário o alojamento e a comida dados a certas pessoas que não têm meios de subsistência. Há trabalhadores nos departamentos oficiais daquela Seção que passam o tempo todo, desde a manhã até a noite, trabalhando pela Sociedade Teosófica sem salário, e ao mesmo tempo doam do seu dinheiro para atender as necessidades do trabalho.
 
Na Inglaterra ocorre a mesma situação. Lá a sra. Besant e outros trabalham incessantemente pela Sociedade. Ela se mantém e ainda doa tudo o que sobra da sua renda para atender as necessidades da Sociedade. H. P. Blavatsky fazia a mesma coisa. O Coronel Olcott agiu e ainda age da mesma forma. Assim, em todo lugar, as atividades realmente duradouras e benéficas da Sociedade são exercidas por aqueles que, dispostos a trabalhar pela causa, não pedem um salário. E, entre estes, quem possui disponibilidade financeira não deseja ser travado pelas regras e pelos regulamentos de um fundo geral que sempre será fonte de aborrecimentos, e uma tentação para os mal-intencionados.
 
Em nossa história de muitos anos, vimos isto ser comprovado no caso de um tesoureiro na Índia que, tendo os fundos gerais de pequeno porte sob seu controle, roubou tudo o que pôde. Era apenas um mortal colocado diante de uma tentação. Se o dinheiro com que ele estava trabalhando fosse dele mesmo, ele não iria roubá-lo, porque não haveria essa possibilidade.
 
Não devemos incentivar grandes doações para o setor financeiro da Sociedade. Devemos divulgar o princípio de que as doações particulares devem ser generosamente entregues a elementos confiáveis e experimentados,  para uso a critério deles, quando os doadores não têm oportunidade de fazer esta utilização por eles mesmos, ou não souberem como o recurso deve ser gasto. Eles devem proceder como tem sido feito. Um homem doou a H. P. Blavatsky $ 5000 para o “Clube Feminino” em Bow, Londres, e o dinheiro foi usado sabiamente pela sra. Besant como representante. Em um caso, uma pessoa deu uma grande quantidade de dinheiro para ajudar a iniciar uma sede. Em outra situação, foi dado dinheiro para imprimir grande quantidade de folhetos e livretos. E ainda outra pessoa fazia de tempos em tempos contribuições que permitiam a um trabalhador devotado, experiente, mas que não tinha um tostão, viajar e dar palestras pela Causa.  
 
Desta forma, a devoção se torna mais valiosa do que uma fortuna em dinheiro. Aqueles que são capazes de falar e escrever, mas não têm meios de sustento, serão habilitados a realizar o trabalho graças a outros que, favorecidos pela sorte material, têm um excedente em recursos. Mas constituir um grande fundo de tesouraria criaria tantos riscos e problemas, e pessoas inescrupulosas e parasitas poderiam se fixar de forma demasiadamente arraigada na estrutura da Sociedade, por terem voz e voto na gestão dos fundos financeiros.
 
Por outro lado, as pessoas que são capciosas e cheias de suspeitas, que sempre contam até o último centavo e sabem o número de série de cada nota de dinheiro, iriam hostilizar os que estivessem encarregados de empregar os recursos.
 
A nossa pobreza e a falta de recompensas e aplausos no mundo externo nos salvaram de excêntricos e sectários que, atraídos pela riqueza, iriam falar sobre a doutrina e sobre o dever, mantendo ao mesmo tempo os olhos fixos no dinheiro.
 
O nosso poder está na força do nosso ideal e da nossa dedicação. O trabalho feito sem recompensa material e sem pretensão de obtê-la, e livre da influência negativa da contabilidade de débito e crédito, vai mais longe, e dura mais tempo, do que qualquer trabalho feito em troca de uma remuneração financeira.
 
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
 
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