Avaliando a Honestidade dos
Jornalistas, Desde Napoleão Até Hoje
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
Napoleão Bonaparte (1769-1821) transformou-se
rapidamente de vilão em herói, nos jornais franceses
 
 
 
É recomendável examinar as fontes das notícias que chegam até nós. O jornalismo que insiste em mostrar um só lado da realidade não é jornalismo.
 
É propaganda.
 
E quando uma campanha de propaganda é falsa, depois de algum tempo a falsidade se torna inviável. No mesmo instante o pseudojornalismo trata de mudar o seu discurso para dar a impressão de que respeita a realidade.
 
A seguinte história – cuja veracidade examinaremos em seguida – ajuda a refletir sobre o antigo axioma segundo o qual “a verdade é a primeira vítima da guerra”.
 
Napoleão Bonaparte, o estadista e gênio militar, agitou o mundo inteiro no início do século 19. Ao deixar a ilha de Elba, para onde se retirara após a abdicação, Napoleão avançou pela França até a capital com velocidade incrível, conquistando sem luta o povo e os exércitos que eram mandados para combatê-lo.
 
Conta uma narrativa extraordinária que essa marcha-relâmpago – inesperada – levou um jornal de Paris a publicar em dias sucessivos as seguintes “manchetes”:
 
1- O Monstro Corso Desembarcou no Golfo de “Juan”.
 
2- O Canibal Marcha em Direção a Grasse.
 
3- O Usurpador Entrou em Grenoble.
 
4- Bonaparte Entra em Lyon.
 
5- Napoleão Prossegue sua Marcha para Fontainebleu.
 
6- Sua Majestade Imperial é Esperada Amanhã na Sua Leal Paris.[1]
 
A fonte desta relação de manchetes de jornal é Alexandre Dumas, pai. O escritor francês é conhecido por usar livremente os fatos históricos, adaptando-os para construir histórias de leitura agradável, que frequentemente transmitem lições éticas. Este é mais um exemplo.
 
A marcha vitoriosa de Napoleão ocorreu, mas as manchetes de jornal não são exatas, nem verdadeiras, segundo a pesquisa histórica revela [2]. A narrativa de Alexandre Dumas é uma sátira. Dumas denuncia a atitude subserviente do jornalismo “moderno” que serve os poderosos sem qualquer sentimento de vergonha, e repete mentiras aos leitores mesmo quando poderia tratar com algum respeito a verdade dos fatos. O jornalismo corrompido considera que a memória dos povos é fraca. Ele troca livremente as suas manchetes de um dia para o outro conforme a conveniência do momento, e não vê necessidade de prestar contas a uma população pouco atenta.
 
É difícil ser um jornalista íntegro em uma sociedade que sofre de uma obsessão coletiva por dinheiro, poder e prazeres materiais. E mais especialmente quando há guerra militar – ou guerra de palavras.
 
Não é verdadeiro o ditado que diz – “Em terra de cegos, quem tem um olho é rei”.
 
É mais sensato afirmar:
 
“Em terra de cegos, se você enxerga bem, tenha cuidado com o que vai dizer porque a verdade nem sempre é bem recebida.” 
 
Sejam quais forem as circunstâncias, o jornalista honesto pode defender a sua dignidade preservando uma relação correta com os fatos. Cabe ao repórter – e ao editor – trabalhar com um sentimento de respeito por si mesmo, e por seus leitores, colocando a verdade acima das conveniências. Com o tempo virá o prestígio.
 
O cidadão sensato evita a doença infantil do pensamento viciado pelo desejo. Tanto os jornalistas como os leitores podem ser levados pelo desejo subconsciente de imaginar que “têm razão” e que “são humanamente superiores” a seus adversários. Neste caso o raciocínio é aproximadamente o seguinte:
 
“Eu quero ter razão, portanto, meu inimigo está totalmente errado. Preciso acreditar que quem pensa diferente de mim é um ser inferior. Como consequência disso, meu adversário é desprezível e nem deveria existir. Quem pensa diferente de mim é doido.”
 
A preguiça mental, associada à força política dos orçamentos militares, pode causar desastres de grandes proporções. Quando falta o respeito pela vida, o simplismo dos fanáticos alimenta as guerras e os governos gastam fortunas para matar mais pessoas, com armas mais sofisticadas, fazendo isso em nome dos mais belos ideais humanitários. Especialmente se os horrores da guerra acontecem em países distantes. Cabe portanto estar vigilante e lembrar: a melhor medicina é a medicina preventiva
 
O Compromisso
 
O jornalista que mantém contato com sua própria alma evita propagar mentiras ou manipular as mentes dos seus leitores. A atitude correta é estimulada, entre outros exemplos, pelo compromisso dos que concluem o curso de jornalismo na Universidade de Blumenau, no sul do Brasil:
 
“Prometo, no exercício da profissão de jornalista, assumir meu compromisso com a verdade e com a informação e empenhar todos os meus atos e palavras, meus esforços e meus conhecimentos para a construção de uma nação consciente de sua história e de sua capacidade. Prometo ainda, não omitir, não mentir e não distorcer informações, não manipular dados e, acima de tudo, não subordinar em favor de interesses pessoais o direito do cidadão à informação.” [3]
 
O compromisso básico de ser verdadeiro se aplica a todos os seres humanos, nos diversos níveis e aspectos da vida.
 
NOTAS:
 
[1] Reproduzido de “O Livro de Ouro de Anedotas”, de Ivan Freitas, Editora Tecnoprint Ltda., Ediouro, Rio de Janeiro, 282 pp., ver pp. 72-73.
 
[2] Uma análise da narrativa de Alexandre Dumas, com a comprovação do seu caráter ficcional, pode ser vista em língua inglesa neste link: https://bigthink.com/strange-maps/napoleon-cannibal-majesty/ .
 
[3] Reproduzido do artigo “O Compromisso dos Jornalistas”, em “O Teosofista”, maio de 2021, pp. 13-14.
 
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O artigo acima está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 23 de novembro de 2023. Uma versão anterior dele foi publicada, sem indicação do nome do autor,  na edição de junho de 2022 de “O Teosofista”, pp. 1-3. Título original: “De Napoleão Até Hoje: Como Age a Imprensa Ocidental Durante Uma Guerra?
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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