Um Estudo Sobre a Comunhão
Interior, Segundo o Pensador Russo
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
Feira tradicional em aldeia russa do século 19. O nome
do autor do quadro pode ser visto à esquerda, em baixo.
 
 
 
O filósofo Alexei Khomiakov foi o principal pensador do movimento cultural conhecido como “Eslavofilismo”.
 
Sua visão da vida tem pontos fundamentais em comum com a teosofia de Helena Blavatsky. Khomiakov inspirou romancistas eslavófilos admirados por HPB e sobre os quais ela escreveu, como Leo Tolstoi e Fiodor Dostoievsky.
 
O cristianismo não-eclesiástico de Tolstoi foi inspirado por Khomiakov, assim como a crítica de Dostoievsky ao catolicismo romano.
 
Entre os ideais russos e eslavófilos que têm interesse direto para os teosofistas está o conceito de sobornost, ou “comunhão”: e este é o princípio central na filosofia de Khomiakov. Ele acreditava em almas e não em instituições rígidas ou autoridades externas.
 
A seguir, selecionamos frases dos escritos de Khomiakov, traduzidas do russo para o inglês por Nicolas Zernov [1]. Os números das páginas são indicados entre parênteses ao final de cada citação.
 
Khomiakov escreveu:
 
* “A ordem social é a manifestação externa da atitude interior dos seres humanos entre si.” (p. 71)
 
* “A cultura russa tem mais confiança na voz da consciência do que na sabedoria das instituições civis.” (p. 73)
 
* “O mundo é uma criação, é um Pensamento Divino; ele representa uma completa e perfeita harmonia de alegria e beleza. Um espírito que viola a justiça e a lei da verdade Divina coloca a si mesmo em um estado de hostilidade em relação a este pensamento Divino, à harmonia da vida cósmica, e é, portanto, obrigado a sofrer.” (p. 58)
 
* “A harmonia com o amor pode, por si mesma, fortalecer e ampliar nossa visão mental. Devemos submeter-nos à lei do amor e adaptar a ela a persistente desarmonia das nossas energias intelectuais.” (p. 58)
 
* “O amor não é uma tendência para a unificação; ele requer, procura e cria respostas e contatos. O amor cresce e é fortalecido e aperfeiçoado através dessas respostas e dessas comunicações.” (p. 58)
 
* “A participação do amor é indispensável para a compreensão da verdade; todo verdadeiro conhecimento é baseado no amor, e é incapaz de ser obtido sem ele.” (p. 58)
 
* “Um indivíduo egocêntrico é impotente; ele é vítima de uma irreconciliável discórdia interna.” (p. 58)
 
* “O mais elevado conhecimento da verdade está fora do alcance de uma mente isolada; ele se abre apenas para uma comunidade de mentes unidas entre si pelo amor.  A verdade parece ser a conquista de poucos, mas na realidade ela é criação e posse de todos.” (p. 58)
 
* “É só vivendo em comunhão com os outros que o indivíduo pode sair da solidão mortal da existência egoísta e ganhar a posição de um órgão vivo no grande organismo.” (p. 58)
 
Desde uma perspectiva teosófica, Khomiakov está certo.
 
No entanto, esse sentimento de comunhão é principalmente interno e secundariamente externo, podendo ser alcançado em relação a todos os seres enquanto se está em aparente solidão e isolado fisicamente.
 
Por outro lado, há uma solidão entre aqueles que não estão sozinhos.
 
Os  indivíduos frequentemente sentem falta de comunhão enquanto vivem em um grupo. O sentido de unidade não é necessariamente físico. Khomiakov transmite a ideia de que perceber a unidade da vida é uma atividade do eu superior, ou da “voz da consciência”. A percepção da harmonia com os outros tem suas raízes no silêncio, e precisa de uma relação individual profunda com a própria alma imortal. Quanto mais um indivíduo se conhece a si mesmo, mais respeita os outros.
 
Arte e Criatividade
 
A crença cega é pior do que inútil, enquanto que a criatividade está ligada à renúncia e a sentimentos altruístas.
 
Khomiakov escreveu:
 
* “A arte é livre apenas quando o artista abandona sua liberdade.” (p. 59)
 
* “Um indivíduo que queira desenvolver suas forças criativas latentes deve primeiro sacrificar o lado egoísta de sua personalidade e assim penetrar no mistério da vida comum. Ele deve estar unido à vida pelos laços de um companheirismo orgânico vivo.” (p. 59)
 
* “Um único intelecto segregado do contato vivo com os outros é estéril; só através da comunhão com a vida ele pode crescer em poder e criatividade.” (p. 59)
 
* “Por muito grande que seja nossa contribuição para o bem comum, recebemos cem vezes mais do que doamos.” (p. 59)
 
Alexei Khomiakov foi um pensador universal e levou a tradição mística da Rússia a um dos seus pontos mais altos.
 
No entanto, as autoridades eclesiásticas russas sentiram-se ameaçadas pela visão de mundo que ele tinha. Enquanto viveu, Khomiakov foi visto com suspeita pelos dirigentes da igreja ortodoxa em seu país. Ele só ganhou reconhecimento como teólogo russo após sua morte em 5 de outubro de 1860 (calendário atual). [2]
 
Uma Visão Teosófica do Cristianismo
 
 
    A. Khomiakov (1804-1860)
 
 
O motivo da desconfiança estava em um fato “político”: Khomiakov negava a validade das igrejas burocráticas dominadas por sacerdotes.
 
Ele ensinava a união direta entre os seres ou unidade da vida. Afirmava que a fraternidade deve ser irrestrita, sem barreiras legais ou intelectuais. De acordo com o ideal russo de sobornost, os seres humanos têm direito a desfrutar da comunhão em completa liberdade. [3]
 
Quanto à igreja católica de Roma, Khomiakov escreveu:
 
“A divinização da sociedade política é a essência da cultura romana. O homem ocidental estava tão impressionado com isso que nem pôde conceber a Igreja exceto sob a forma de um Estado. A unidade da Igreja tinha que ser compulsiva e, portanto, nasceu a Inquisição, com seu controle da consciência e suas execuções por heresia. O bispo de Roma foi obrigado a reivindicar o poder civil, e finalmente o obteve. Ele adquiriu o direito de controle jurídico sobre a parte da igreja que se tornou conhecida sob o nome ‘Romana’.” (p. 65)
 
E ainda:
 
“A Igreja [Romana] deixou de ser uma comunidade governada pelo livre consentimento de seus membros, para ser um Estado; as pessoas leigas tornaram-se servos obedientes, e a hierarquia [eclesiástica] assumiu o papel de governante.” (p. 65)
 
Khomiakov acreditava que “devido à sua perspectiva comunitária, da Rússia pode fluir uma corrente mais pura do Cristianismo.” (p. 73)
 
Suas visões sobre as relações humanas são semelhantes às da teosofia moderna. Um Mestre de Sabedoria escreveu sobre a comunhão:
 
“Um grupo de estudantes das Doutrinas Esotéricas que queira obter qualquer proveito espiritual deve estar em perfeita harmonia e unidade de pensamento. Cada um, individual e coletivamente, deve ser, no mínimo, totalmente altruísta, gentil e pleno de boa vontade em relação a cada um dos outros – para não falar da humanidade; não deve haver espírito de facção em meio ao grupo, nem maledicência, má-vontade, inveja ou ciúmes, desprezo ou cólera. O que fere um deve ferir o outro – aquilo que alegra ‘A’ deve encher ‘B’ de prazer.” [4]
 
Para Khomiakov, a comunhão e a solidariedade eram a regra da vida. Ele morreu durante uma epidemia em 1860, enquanto cuidava pessoalmente da saúde de seus camponeses e trabalhava conforme podia para aliviar o sofrimento deles.
 
NOTAS:
 
[1] “Three Russian Prophets”, Nicholas Zernov, SCM Press, London, 1944, 171 pp. O livro está publicado em PDF em nossos websites associados.
 
[2] Veja o verbete “Khomyakov, Aleksei Stepanovich” na “Encyclopaedia Britannica”, edição de 1967, volume 13, pp. 332-333.
 
[3] “Three Russian Prophets”, p. 38.
 
[4] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, Editora Teosófica, Brasília, 1996, 296 pp., Carta 3, primeira série, pp. 24-25. O trecho foi comparado com a edição original em inglês, “Letters From the Masters of the Wisdom”, compiled by C. Jinarajadasa, First Series, TPH, Índia, 1973, Letter 3, Item III, pp. 13-14.
 
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O texto acima foi publicado pela primeira vez em inglês sob o título  de “Alexei Khomiakov, on Brotherhood” e está disponível em nossos websites associados. A tradução ao português é de Joana Maria Pinho.
 
Sobre o processo de comunhão interior ao longo do caminho da sabedoria, veja também em nossos websites associados o artigo “Um Por Todos e Todos Por Um”, de Carlos Cardoso Aveline.
 
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
 
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