A Responsabilidade Direta do Movimento
Esotérico Diante do Sofrimento da Humanidade
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
 
 
As catástrofes coletivas não são fatos isolados. Tampouco resultam de mero acaso – mas estão ligadas à lei do carma. Expressam a lei universal de modo a libertar e ajudar o aprendizado das almas, que é o motivo da existência física.
 
Cada crise enfrentada por um povo prepara um outro começo sobre bases melhores.
 
O doloroso final de uma civilização abre espaço para uma nova fase evolutiva. Quando este tipo de evento de grande porte causa injustiças, devido ao seu caráter aparentemente cego, os desequilíbrios de cada caso específico são compensados de acordo com a lei espiritual da harmonização constante.
 
1. Calamidades Podem ser uma Bênção
 
Referindo-se à Sociedade Teosófica original, que deixou de existir nos anos de 1890, um Mestre de Sabedoria escreveu:
 
“… Os males aparentemente reais, evanescentes e passageiros que as leis produzem são tão necessários ao crescimento, ao progresso e ao estabelecimento final da sua pequena Sociedade Teos. quanto os cataclismos da natureza, que frequentemente dizimam populações inteiras, são necessários para a humanidade. Como todos sabem, um terremoto pode ser uma bênção, e a forte onda produzida por um maremoto ou furacão pode ser a salvação dos muitos, à custa dos poucos.” [1]
 
2. Afastando o Medo Supersticioso da Morte
 
O Raja-Iogue afirma que a chamada “luta pela vida” é um grande obstáculo à evolução do espírito:
 
“…Como iremos lidar com o restante da humanidade, em meio à maldição conhecida como ‘luta pela vida’, que é a real e mais prolífica causa da maioria das desgraças e tristezas e de todos os crimes? Por que esta luta teve que tornar-se o esquema quase universal do universo? Nós respondemos: porque nenhuma religião, com exceção do Budismo, ensinou até agora um desapego prático por essa vida mundana, enquanto cada uma delas – sempre com aquela única e solitária exceção – através de seus infernos e danações, inculcou o maior pavor em relação à morte.”
 
É importante ter em consideração o fato de que neste trecho o mestre se refere ao budismo clássico, oriental, e não ao falso budismo que se vê hoje no Ocidente e que ama sobretudo o dinheiro.
 
Com suas imagens fantasiosas do inferno e a sua negação do processo da reencarnação da alma, o cristianismo do Vaticano exagerou a importância do aspecto físico da vida, e alimentou um medo supersticioso da morte:
 
“Por isso nós encontramos, de fato, esta luta pela vida imperando mais violentamente nos países cristãos, prevalecendo especialmente na Europa e na América. Ela é mais fraca nas terras pagãs e praticamente desconhecida entre as populações budistas. (Na China, durante um período de fome, onde as massas são mais ignorantes em relação a sua própria religião ou a qualquer outra, foi notável o fato de que aquelas mães que devoraram seus filhos pertencessem às localidades onde se encontrava a maior quantidade de missionários cristãos; onde não havia nenhum deles e apenas os bonzos possuíam a terra, a população morria com o máximo de indiferença). Ensine-se ao povo a ver que a vida nesta Terra, mesmo a mais feliz, é apenas um fardo e uma ilusão, que apenas o nosso próprio karma, a causa que produz um efeito, é nosso próprio juiz, – nosso salvador em vidas futuras – e a grande luta pela vida em breve perderá sua intensidade.” [2]
 
Aceitando a morte como a conclusão natural de uma vida física, podemos viver mais e melhor, livres do pavor do fim. A consciência da lei da reencarnação permite esta tranquilidade. A morte física é apenas o final de uma etapa. A compreensão de que também as civilizações chegam gradualmente a seu fim é outro fator que permite evitar sofrimento desnecessário.
 
3. Interrompendo o Erro Mais Grave
 
O propósito das civilizações é facilitar o crescimento da alma. Quando uma estrutura social qualquer se distancia demasiado do mundo do espírito, ela deixa de cumprir sua função e desaparece.
 
A Terra tem vários níveis de consciência. A vida geológica do planeta avança passo a passo com a evolução psicológica, ética, social e econômica da humanidade. Há momentos de expansão e de retração, de iluminação e escurecimento, na história do nosso planeta.
 
As mudanças planetárias físicas fazem parte da evolução moral. O Mestre afirma:
 
“A aproximação de cada novo ‘obscurecimento’ é sempre assinalada por cataclismos – de fogo ou de água. (…) Assim, havendo atingido o ápice do seu desenvolvimento e glória, a quarta Raça, dos atlantes, foi destruída por água; você encontra hoje apenas seus remanescentes decadentes e caídos, cujas sub-raças, no entanto – ah, cada uma delas teve seus dias prósperos, gloriosos e de relativa grandeza. O que elas são agora – vocês serão algum dia, porque a lei dos ciclos é única e imutável.”
 
O sábio prossegue:
 
“Quando a sua raça – a quinta – houver alcançado o seu zênite de intelectualidade física, e desenvolvido a civilização mais elevada (lembre da diferença que nós estabelecemos entre civilizações físicas e espirituais), incapaz de elevar-se em mais nada em seu próprio ciclo, seu avanço em direção ao mal absoluto será interrompido (como seus antecessores, os lemurianos e atlantes, foram interrompidos em sua marcha no mesmo rumo) por uma destas mudanças cataclísmicas; sua grande civilização será destruída (…).” [3]
 
Civilizações nascem, civilizações morrem. As almas humanas evoluem sempre para o melhor. As guerras, pandemias e crises sociais, assim como a destruição catastrófica do meio ambiente, são sinais externos de uma cegueira espiritual e tornam necessário ampliar outra vez o contato direto entre o mundo humano e o mundo divino.
 
Cabe perguntar-nos qual é o futuro próximo da civilização em que vivemos. Mas o mais sensato é evitar a pretensão de ter respostas rápidas, porque uma pergunta que faça pensar é melhor do que uma resposta baseada na mera preguiça mental. São inúteis o fatalismo e o medo de encarar a incerteza de frente. Cabe ficar atentos e livres de pressa. Há muito por aprender: os fatos não são tridimensionais, são muito mais complexos.
 
4. Um Convite à Ação Criadora
 
As imagens-sementes dos acontecimentos futuros estão suspensas na atmosfera sutil que nos rodeia. Não se pode prever que forma exata eles irão tomar, ou que dia ocorrerão. O futuro que ainda não ocorreu pode ser alterado, conforme ensina Patañjali. O porvir é plástico, maleável. Em função disso os teosofistas têm um dever a cumprir. Sua responsabilidade é prática.
 
A Lei do Carma convida as pessoas de boa vontade a compreender existencialmente o aspecto dinâmico, criador, do ensinamento teosófico.  
 
No parágrafo final de “A Chave da Teosofia” Helena Blavatsky escreveu que se durante o século 20 o movimento teosófico fosse leal à verdade, o mundo seria um paraíso no século 21:
 
“…Diga-me se sou demasiado exagerada quando digo que se a Sociedade Teosófica sobrevive e se mantém fiel a sua missão e a seus primitivos impulsos, através dos próximos cem anos; diga-me, repito, se vou demasiado longe ao afirmar que a Terra, no século 21, será um paraíso em comparação com o que é agora.” [4]
 
Não foi a única vez que ela abordou a questão.
 
Em 1891, cerca de três semanas antes de morrer, Blavatsky escreveu em carta dirigida aos teosofistas norte-americanos:
 
“… Cada desejo e pensamento que eu emito são resumidos nesta única sentença, no desejo incessante do meu coração: ‘sejam teosofistas, trabalhem pela teosofia’! A teosofia primeiro e a teosofia por último; porque só a sua compreensão prática pode salvar o mundo ocidental do sentimento egoísta e antifraterno que agora divide uma raça da outra, uma nação da outra; e daquele ódio de classe e daquelas ideias sociais que são a maldição e a desgraça dos chamados povos cristãos. Só a teosofia pode evitar que eles se afundem inteiramente naquele materialismo meramente luxurioso no qual eles vão decair e apodrecer tal como as civilizações têm feito. Nas mãos de vocês, irmãos, está colocado em confiança o bem-estar do próximo século; e embora seja grande a confiança, igualmente grande é também a responsabilidade.”[5]  
 
A missão dos teosofistas está portanto esclarecida. Porém, o que aconteceu depois da morte de Blavatsky? A Sociedade fundada por ela abandonou os ensinamentos originais e esqueceu o projeto de esforço pela humanidade. Os seus líderes priorizaram a luta pelo poder. A lealdade aos Mestres brilhou pela sua ausência, porque a fantasia substituiu a realidade. O movimento fragmentou-se. Numa palavra, os teosofistas falharam.
 
Como consequência, o século 20 foi marcado por guerras, injustiças, racismo, corrida armamentista, antissemitismo, produção de armas nucleares e violência em geral. O “núcleo teosófico de fraternidade universal” não resistiu à força da ignorância. Mas nem tudo foi derrota. Mesmo sendo enorme, o fracasso teosófico não foi total, porque permaneceram sempre alguns núcleos de teosofistas leais ao ensinamento iniciático original e autêntico. 
 
Na primeira metade do século 21, a situação humana é complexa. Há claros perigos. Cabe dar uma direção mais definida ao processo do carma humano. A Terra pode transformar-se em um paraíso. Mas antes disso será preciso enfrentar mais de uma crise em escala planetária – começando pela falta de ética e honestidade, cuja solução precisa começar na vida individual e familiar assim como na vida das nações.
 
5. A Vitória no Século 21, Apesar de Tudo
 
Alguns poucos setores do movimento preservaram o seu ideal vivo. A partir deles podemos agir. Grande número de cidadãos de boa vontade que não pertencem ao movimento nominalmente teosófico são intensamente dedicados ao ideal de progresso e aperfeiçoamento humanos.
 
Cabe lutar e vencer: uma vida correta é a vitória diária que todos podemos alcançar. É suficiente fazer o que está ao nosso alcance, como ensina Epicteto. Devemos lembrar que, até poucos minutos antes do amanhecer, a escuridão da noite é completa. Seja qual for o preço a pagar, nada atrasará o nascer do Sol. Helena Blavatsky anunciou a vitória, seja quais forem as circunstâncias:
 
“…O erro é poderoso apenas na superfície, porque a Natureza Oculta o impede de tornar-se profundo”, disse ela. E prosseguiu:
 
“A Natureza Oculta rodeia o globo inteiro em todas as direções, e não deixa sem vigilância nem sequer o canto mais escuro. Seja por fenômeno ou por milagre, seja desta ou daquela maneira, de um jeito ou de outro o Ocultismo irá vencer a batalha antes que a era atual complete o tríplice setenário de Sani (Saturno) no ciclo ocidental europeu;  em outras palavras – antes do final do século 21, da  ‘era cristã’.”[6]
 
A essência das coisas transcende a forma externa. O nível básico da presença divina junto a nós é a presença da nossa própria alma espiritual. Ampliá-la depende de cada um.
 
Está ao nosso alcance fazer aquilo que as condições permitem. A forma mais eficiente de prever o futuro é plantar um porvir saudável, que florescerá no momento certo do século em que vivemos.
 
NOTAS:
 
[1] “Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Brasília, Carta 134, volume II, p. 299. 
 
[2] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, Editora Teosófica, Brasília, primeira série, Carta 01, pp. 19-20.
 
[3] “Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Vol. II, Carta 93 B, p. 120. O sublinhado na citação é meu.
 
[4] Veja as páginas 281-282 do livro “A Chave da Teosofia”, de Helena Blavatsky.
 
[5] O trecho está na página 31 do livreto “Five Messages”, de H.P. Blavatsky.
 
[6] “Collected Writings”, H.P. Blavatsky, TPH, Índia-EUA, volume XIV, p. 27. O trecho está citado também no artigo “O Lado Luminoso de Saturno”.
 
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O texto acima foi publicado nos websites associados dia 24 de março de 2021. Uma versão inicial dele faz parte da edição de fevereiro de 2021 de “O Teosofista”, pp. 11 a 15. Título original: “Os Mestres, Blavatsky e o Século 21”.
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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