Pomba Mundo
 
A “Data Exata” Em Que Jesus Teria Vivido
Foi Inventada Pelo Clero Durante a Idade Média
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
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Uma imagem da antiga biblioteca de
Alexandria, destruída por fanáticos cristãos
 
 
 
A Enciclopédia Britannica, edição 1967, informa no verbete Chronology que a chamada Era Cristã foi criada arbitrariamente no século seis, pelo monge Dyonisius Exiguus (496-540).
 
Ninguém tinha noção exata, na época, como não se tem hoje, da data do nascimento de Jesus. Tampouco há evidências históricas sobre o nascimento e a vida dele.
 
No curto prazo, a criação da Era Cristã foi um meio de terminar uma longa e difícil polêmica sobre o modo de calcular a data da Páscoa. Mas a  criação da era cristã foi, também, um instrumento para que o cristianismo superasse culturalmente o mundo do império romano – àquela altura já derrubado política e militarmente –  e para afastar a outra cronologia antiga, a judaica.
 
Tudo é gradual, porém. A chamada era cristã – informa a Britannica – só foi aceita e estabelecida mundialmente entre os séculos onze e treze, isto é, em um período mais ou menos recente.  Em Portugal, por exemplo, ela foi adotada já em pleno século quinze, em 1422: apenas setenta e oito anos antes da descoberta do Brasil.
 
Há inúmeras incoerências cronológicas na “era cristã” estabelecida por Dyonisius Exiguus. Entre elas  está o fato de que, segundo o Novo Testamento, Herodes era contemporâneo do nascimento de Jesus;  mas na realidade Herodes, comprovadamente, morreu no ano 4 antes da era cristã. A data do nascimento de Jesus é, pois, altamente incerta, como são incertos os dados disponíveis sobre a vida dele. A narrativa do Novo Testamento é simbólica e não literal.  
 
G.R.S. Mead, um estudioso do início do século 20, escreveu a obra  “Did Jesus Live 100 B.C.?” (“Jesus Viveu 100 anos Antes da Era Cristã?”).[1] Mead foi secretário particular de Helena P. Blavatsky durante os últimos anos de vida dela. Com base em histórias sobre Jesus que são encontradas no Talmude judaico, e discutindo referências dos autores da época, Mead  mostra que há uma grande dificuldade para confirmar que Jesus nasceu no ano 1.
 
Das escrituras judaicas, o Talmude é o livro menos divulgado, mas tem importância central para o judaísmo. A Torá judaica foi adotada pelos cristãos, que lhe deram o nome de “Antigo Testamento”. O Talmude, porém, permaneceu sendo uma obra exclusivamente hebraica.
 
Durante muitos séculos, o Talmude – assim como os Vedas indianos e as obras gregas clássicas – foi um conjunto de histórias transmitidas oralmente. Ele só foi colocado no papel em torno dos séculos 1 ou 2 da “era cristã”.   Entre os motivos pelos quais essa escritura sagrada despertou o “ódio teológico” e provocou a perseguição da igreja romana contra os judeus está o fato de que os trechos do Talmude que abordam Jesus não o veem necessariamente como um grande iluminado, e sim como um ser humano comum que aprendeu magia no Egito.
 
Tais narrativas fazem quase uma caricatura do Jesus deificado do Novo Testamento. Elas ficam muito longe de respeitar as crenças e dogmas do cristianismo, no sentido de que Jesus seja filho biológico de Deus; ou seu filho único;  ou de que Jesus era Deus e Homem ao mesmo tempo.
 
Para a religião judaica, tais ideias eram graves blasfêmias. Dizer isso era usar o santo nome de Deus em vão.
 
Nem o próprio Moisés é considerado mais que um homem, e dele não se afirma que seja um filho biológico de Deus.
 
Mas o cristianismo que surgiu em Roma não estava preparado para aceitar desafios intelectuais, nem para conviver com argumentos contrários a seus dogmas.  Usando como pretexto o fato de que uma parcela dos judeus ortodoxos havia sido doutrinariamente radical contra os “judeus hereges” (os primeiros cristãos) – a Roma cristã  passou a perseguir o povo judeu inteiro, muito mais do que a Roma pré-cristã havia feito. Nisso, esqueceu que o cristianismo era originalmente apenas uma seita judaica, assim como eram judeus o próprio Jesus, e seus apóstolos. 
 
O predomínio cristão sobre o mundo ocidental inaugurou a Idade Média, e trouxe o final da era da livre discussão intelectual.
 
Desapareceram as escolas filosóficas de Alexandria e de todo o amplo mundo romano, que era culturalmente helênico e estava preparado para o debate intelectual e a contradição filosófica.
 
Durante séculos, livros e documentos foram queimados em grande escala. Os cristãos buscavam o absoluto monopólio religioso e pretendiam estabelecer uma ditadura mundial em nome de Deus.
 
Os Manuscritos do Mar Morto e a Biblioteca de Nag Hammadí estavam escondidos em jarros guardados em grutas e cavernas.  Só assim escaparam à perseguição dos fanáticos cristãos que queriam eliminar toda diversidade de pensamento. E é por isso que os manuscritos do Mar Morto e a biblioteca de Nag Hammadí ampliam poderosamente o horizonte atual das pesquisas sobre os essênios, sobre os gnósticos e a origem do cristianismo, e mostram ainda mais claramente a relação do cristianismo original com o mundo helênico. O amplo horizonte cultural em que nasceu o cristianismo foi artificialmente eliminado e grande parte da riqueza e  da diversidade religiosa foi destruída.
 
A eliminação pelo fogo da biblioteca de Alexandria foi apenas um momento mais radical desse processo. A verdadeira origem do cristianismo é mostrada de modo fascinante na obra “Ísis Sem Véu”, de H. P. Blavatsky.
 
Apesar de tudo, a tradição mística se manteve viva ao longo da história do cristianismo, e conseguiu sobreviver às perseguições da era medieval e pós-medieval. 
 
São Francisco de Assis, São João da Cruz,  Tomás de Kempis, Nicolau de Cusa, Teresa Dávila, o autor anônimo de “A Nuvem do Desconhecido” e – do século 20 para cá – Teilhard de Chardin e  Anthony de Mello são alguns nomes entre centenas de luzes não-dogmáticas que se sucederam umas às outras. Tais indivíduos preservaram e realimentaram pelo menos parte da sabedoria cristã original, que no seu berço havia sido fortemente influenciada pelo budismo, conforme destaca Helena Blavatsky em “Ísis Sem Véu”.
 
NOTA:
 
[1] “Did Jesus Live 100 B.C.?”,  Kessinger Publishing Co., Montana, USA, 442 páginas. A primeira edição da obra foi publicada em Londres em 1903.
 
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Uma versão inicial do texto acima foi publicada sem indicação de nome de autor na edição de julho de 2008 de “O Teosofista”.
 
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
 
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