A Tarefa do Peregrino é Reduzir o
Desperdício de Tempo e de Esforços
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
 
 
* A solidez da terra e a flexibilidade do ar são necessários à ação de quem estuda teosofia clássica. E também o poder de transmutação do fogo, e as qualidades curativas da água. Esses quatro elementos básicos do nosso caráter se reúnem no quinto elemento, o éter, a luz astral.
 
* Há um tempo para entender um telescópio, e um tempo para usar o telescópio de modo a estudar com eficiência o céu. Reduzir a movimentação do eu inferior é uma condição necessária para que o peregrino possa focar o “telescópio” das suas energias pessoais de modo a perceber a verdade eterna.
 
* A paz não pode ser resultado do medo de abordar temas difíceis. O receio de dialogar não é um alicerce para a harmonia. A franqueza, que está naturalmente associada à boa vontade, produz equilíbrio em todas as situações. Aquele que renuncia a vantagens de curto prazo e vive com desapego está preparado para pagar o preço da sinceridade.
 
* Os grandes pensadores de todos os tempos dão à humanidade os recursos internos necessários para enfrentar qualquer crise de modo positivo, e vencê-la. Os indivíduos atentos têm vários níveis de acesso à sabedoria comum preservada durante eras insondáveis.
 
* É fácil ler e repetir as palavras do que se estuda. Mais difícil é usar adequadamente na vida diária os princípios e conceitos teosóficos. Não se consegue comprar discernimento em um shopping center. O estudante precisa fazer um número não-revelado de tentativas, antes de desenvolver uma quantidade suficiente de sabedoria no processo de tomar decisões práticas. O peregrino avança melhor pelo método da tentativa e do erro, transformando tanto derrotas como vitórias em lições.  
 
* A filosofia, a psicologia, a arte, a política, a economia, a sociologia, a ciência e a literatura devem expressar a sólida consciência de um fato central: o futuro é resultado de decisões tomadas no presente. A ideia parece fácil de compreender, mas agir à altura dela requer um tipo superior de inteligência que ainda é difícil de encontrar nos tempos atuais, e cujo nascimento cabe acelerar.
 
* A falta de concentração é uma das principais causas de desperdício de força vital, nos diversos níveis da existência. A capacidade de economizar energia surge aos poucos.
 
* A experiência de vida nos ensina a tomar uma decisão e perseverar. O objeto dos nossos esforços se renovará constantemente e se reajustará, à medida que aprendemos mais. Quando a meta é suficientemente elevada, a meta perdura. Nosso objetivo central deve ser uma fonte de luz para nós. Vejamos um exemplo prático. Ao longo do ciclo de 24 horas, o Sol muda o tempo todo a sua posição geométrica em relação a qualquer ponto da Terra. Mas ele permanece a uma distância constante, doando luz e vida e garantindo uma trajetória segura para o planeta.
 
* A palavra “transfiguração” é às vezes definida como “uma mudança completa de forma ou aparência na direção de maior beleza e de um estado mais espiritual”. Na verdade, o processo de transfiguração ocorre tanto no objeto observado quanto na maneira como olhamos para ele. Um olhar espiritual verá a sabedoria permeando tudo no universo. À medida que a visão do Sábio nasce no processo como o peregrino enxerga a vida, todas as coisas passam por uma transfiguração, da qual o eu inferior do aprendiz inevitavelmente participa.
 
* Nossa bagagem cármica oferece vários pontos de vista desde os quais podemos olhar para a realidade como um todo e ver cada aspecto específico dela. O patrimônio cármico de um indivíduo inclui um grande conjunto de possibilidades: o potencial é quase infinito.
 
* O peregrino bem informado olha para a realidade desde o ponto de vista mais verdadeiro e mais elevado, dentro do que lhe é possível. Quando por causa disso muda a sua paisagem mental inteira, ele novamente escolhe o melhor ponto de observação, aquele ponto que permite a visão mais exata. Ele deixa de lado o conforto a cada momento de escolha entre a verdade e os seus opostos, avançando pelo caminho estreito e íngreme, morro acima, que o leva a níveis decrescentes de ilusão.
 
* Toda estrutura de poder baseada em ideias falsas pode implodir a qualquer momento. A ideia vale tanto nos círculos de carma nacional e planetário como no plano individual.  
 
* A fragilidade básica da hipocrisia aumenta quando surgem novas formas de inteligência que não apoiam a ilusão socialmente estabelecida, e a desmascaram. A melhor maneira de ajudar a evolução das almas é compreender que não há poder maior que o poder da verdade, e agir à altura. Cabe deixar de lado o jogo das aparências. A franqueza é inseparável da boa vontade.
 
* A calma vigilância é indispensável. Maimônides escreveu sobre a existência de “átomos de tempo”[1], e a tradição Zen fala da “iluminação súbita”. De fato, uma quantidade muito pequena de tempo pode em certas ocasiões especiais liberar quantidades imensas de energia transformadora. Há “esquinas” de tempo. Existem pontos de mutação agudos no carma. Neles a cena da vida muda inteiramente de aspecto e de estrutura de uma maneira mais rápida do que a maior parte das pessoas consegue ver ou perceber.
 
* Do ponto de vista do subconsciente, a diferença entre ter medo e ter afinidade é sutil. Às vezes acaba sendo anulada pelos fatos.
 
* O temor pode ser visto como uma forma de afinidade. Uma rejeição instintiva intensa acaba por atrair aquilo que se teme. A coragem, por sua vez, reduz ou dissolve a relação magnética com o que é indesejável.
 
* O pensamento correto, voltado para o bem, fortalece a relação cármica e a afinidade com o que é saudável. O autoconhecimento e o autocontrole permitem focar a mente em coisas valiosas, e por isso produzem paz.
 
* Nos últimos milhares de anos, muitas nações e grupos étnicos têm sido desprezados, sujeitos a humilhação e genocídio. Isso ocorreu com os judeus, com os povos africanos, as nações indígenas das Américas do Sul, Central e do Norte, e os armênios, para citar alguns exemplos. Cada episódio destes é motivo de vergonha para a humanidade.
 
* O tempo todo, em todas as nações tem havido aqueles que ativamente defendem a lei da fraternidade universal e ajudam os que são perseguidos. A escravidão foi derrotada. O antissemitismo perdeu batalhas decisivas. O fortalecimento de Israel avançou com solidez desde 1948. O respeito pelos povos e pessoas de pele negra e pelos povos nativos ao redor do mundo ainda tem muitos obstáculos por vencer, mas foi feito progresso. As pessoas de boa vontade têm o privilégio de combater o racismo, o antissemitismo e outras formas de ignorância espiritual. 
 
* O estudante de filosofia clássica está exposto continuamente às correntes de pensamento ilusório e outras vibrações falsas. Elas vêm até ele com convites atraentes para impulsos baseados em apego, cobiça, rejeição, e assim por diante.
 
* Na ausência de uma vigilância adequada, o peregrino pode adotar como suas diversas ideias e emoções desastradas, vindas tanto de amigos como de inimigos, ou de círculos mais amplos de carma coletivo. Ele deve aprender a identificar-se com a generosidade responsável presente em seu coração, e com o centro de amizade silenciosa por todos os seres, situado em sua alma. No entanto, ele precisa rejeitar as formas subconscientes de autoidentificação com o mundo das aparências (tanto agradáveis como desagradáveis) recusando o que for moralmente desprezível ou intelectualmente estreito.
 
* A ajuda mútua está na essência de todas as formas de vida. Ao mesmo tempo, a cooperação equilibrada inclui o respeito à liberdade individual. Não se deve esperar demasiado dos outros. É correto estimular o melhor nas pessoas, e nada exigir exceto sinceridade.
 
* O bom senso manda esperar ações sábias de si mesmo e deixar que os outros tenham o espaço necessário para administrar suas vidas como acharem mais adequado. Cabe pensar o melhor das pessoas que conhecemos. Devemos permitir que elas tenham os seus ciclos de vigilância e esforços crescentes, e ciclos relativamente decrescentes, também.
 
* Ser independente implica um grau de simplicidade voluntária. O peregrino deve respeitar as escolhas das pessoas – sejam elas feitas de modo responsável ou apenas subconscientemente – e preservar a sua autonomia como indivíduo.    
 
* Agir em harmonia com a sua própria natureza essencial é o dharma e o dever sagrado de cada um. Este tipo de ação, no entanto, é multidimensional e nunca pode fluir em grande harmonia com expectativas externas.
 
* Quem é sincero consigo mesmo decepciona os outros, e decepciona a si próprio, inúmeras vezes no plano da personalidade. É só nos níveis mais profundos da vida que a coerência consigo próprio será reconhecida como inseparável da lealdade para com os outros.
 
* Não é possível ser leal a si mesmo sem ser leal aos demais, e esse fato pode ser tremendamente incômodo. A honestidade e a lealdade criam inúmeras situações difíceis, quando a falsidade é considerada normal ou a hipocrisia está estabelecida como coisa elegante e como norma da boa convivência.
 
* O uso eficiente das energias vitais é um mistério de solução complexa. Para enfrentá-lo, cabe dedicar-lhe uma calma e completa atenção.
 
* A questão central não é saber quantas oportunidades valiosas outros indivíduos podem estar desperdiçando agora ao longo do caminho da sabedoria. A tarefa do peregrino é reduzir o seu próprio desperdício de tempo e de esforços.
 
NOTA:
 
[1] “The Guide for the Perplexed”, Maimonides, Editora Dover, EUA, pp. 120-122.
 
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Ideias ao Longo do Caminho – 23” foi publicado como artigo independente em 22 de maio de 2019. Uma versão inicial e anônima dele faz parte da edição de julho de 2016 de “O Teosofista”, pp. 12-13. Outras notas pequenas do mesmo autor, presentes na edição, estão incluídas no texto.  
 
Embora o título “Ideias ao Longo do Caminho” corresponda ao título em língua inglesa “Thoughts Along the Road”, do mesmo autor, não há uma identidade exata entre os conteúdos das duas coletâneas de pensamentos.
 
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