As Boas Árvores Dão Frutos no Tempo Certo
 
 
Gilmar Gonzaga
 
 
 
 
 
Entre as aparências e o essencial há, por vezes, grande diferença de graduação. A percepção do essencial exige um estado de sutileza da parte de quem observa.
 
A Teosofia, como conhecimento e como verdade viva, atua no aparente e conduz ao essencial; e essa dinâmica pode ser verificada pela reflexão acerca do caminho percorrido pelo movimento teosófico moderno desde o seu emergir em 1875 até os dias atuais.
 
A citação a seguir serve de base a essa reflexão:
 
“As verdades e mistérios do ocultismo constituem, na realidade, um conjunto da mais alta importância espiritual, ao mesmo tempo profundo e prático para o mundo em geral. Entretanto, não é como mais um acréscimo à massa confusa de teorias e especulações do mundo da ciência que eles estão sendo dados a vocês, mas em função do seu efeito prático sobre o interesse da humanidade. (…) Eles têm que ser tanto destrutivos como construtivos: destrutivos em relação aos erros malignos do passado, aos velhos credos e superstições que sufocam toda humanidade no seu abraço, que é venenoso como uma erva má; construtivos em relação a novas instituições de uma autêntica e prática fraternidade da humanidade, onde todos serão colaboradores da natureza e trabalharão para o bem da humanidade. (…) Platão estava certo: as ideias governam o mundo; e à medida que as mentes dos homens recebam novas ideias, deixando de lado as velhas e desgastadas, o mundo avançará, poderosas revoluções surgirão das novas ideias, crenças e até poderes serão derrubados por sua força irresistível. Será tão impossível resistir à sua influência, quando chegar o momento certo, quanto impedir o progresso das marés. Mas tudo isso ocorrerá gradualmente. (…) Ideias novas têm de ser plantadas em lugares limpos, porque estas ideias abordam os assuntos mais importantes.”
 
Esses são trechos de uma das Cartas enviadas para A.P. Sinnett na fase inicial do Movimento Teosófico.
 
O Mahatma enfatizou:
 
“Os Chefes querem o começo de uma ‘Fraternidade da Humanidade’, de uma real Fraternidade Universal; uma instituição que seja conhecida em todo o mundo e que chame a atenção das mentes mais elevadas.” [1]
 
Um aspecto a ser destacado é a dificuldade de se instituir um projeto dessa natureza, tendo em vista a abrangência desse conceito e a extensão dos desdobramentos possíveis nesse âmbito.
 
Considerando a magnitude da tarefa e também a conjuntura na qual o mundo se encontrava na ocasião, medidas extraordinárias foram adotadas, entre elas a participação ostensiva de alguns membros da Fraternidade de Adeptos e seus discípulos.
 
Decorrido um tempo considerável desde a fundação da Sociedade Teosófica em 1875, podemos percorrer a trajetória do movimento e perceber a vitória da parte essencial do programa traçado, graças ao empenho dos servidores abnegados que trabalharam na fase inicial do plano. 
 
Percebe-se ainda a atuação de forças fragmentadoras e de um desequilíbrio, como na busca de “fenômenos” inferiores, resultantes de “poderes ocultos”, ou a abordagem predominantemente teórica dos conteúdos teosóficos, em detrimento do cerne do plano original: formar um núcleo de “uma genuína e prática Fraternidade da Humanidade”.
 
Apesar do relativo fracasso institucional da ST, muitos foram influenciados pela mensagem teosófica. O seu conteúdo vivo atua  hoje em diversas instâncias; notadamente nas mentes de indivíduos receptivos às suas ideias, registradas nos escritos de Helena P. Blavatsky, nas Cartas dos Mahatmas e nas Cartas dos Mestres, e nos desdobramentos decorrentes dessas fontes.
 
Hoje as conjunturas sociais são outras e o avanço tecnológico no setor de comunicação tornou possível a implementação de formas mais dinâmicas de transmissão da filosofia esotérica.
 
A Loja Independente de Teosofistas procura manter a conexão com as raízes do movimento. Ela age nos vários níveis da comunidade teosófica e da coletividade humana,  concentrando a transmissão do conhecimento esotérico nos meios virtuais e no ambiente online. O alcance da mensagem é amplo.
 
Uma questão que merece ser estudada é a identificação do terreno mais fértil ou dos “lugares limpos” para que essa mensagem possa encontrar a necessária receptividade e germinar, crescer, florescer e frutificar. Em outras palavras, como ativar “Centros Individuais [voluntários] de Autorresponsabilidade”.
 
Podemos perceber que algumas condições favorecem o desenvolvimento desses Centros. Entre elas destacam-se a interação dos indivíduos de boa vontade e a energia do ensinamento teosófico enquanto conhecimento vivo.
 
Penso também que a conjuntura humana atual está favorável à ativação e ao desenvolvimento desses Voluntários da nova era, ao redor dos quais se irradiará a mensagem teosófica e operar-se-ão as transformações dela decorrentes.
 
Mas quem são esses potenciais centros de recepção, transformação e irradiação? E ainda: Como estará o estado mental das pessoas às quais a mensagem teosófica chega atualmente?
 
Teosofia é Sabedoria Divina ou Verdade eterna. Aqueles que entram em sintonia com o conhecimento teosófico podem expressá-lo a partir de diversos tipos de abordagem, utilizando a linguagem adaptada aos seus próprios talentos. Nesse sentido, torna-se possível identificar traços do conhecimento perene nos escritos atuais.
 
Em seu livro “Simplicidade Voluntária”, Duane Elgin descreve três grupos de “formas de consciência” ou níveis de desenvolvimento (interno) de indivíduos:
 
“Chamarei a primeira dessas formas de ‘consciência adormecida’. É a nossa assim chamada consciência normal ou de vigília; caracteriza-se por estarmos tão presos à corrente do diálogo e da fantasia interior que pouca atenção consciente podemos dar à experiência constante de nós mesmos. Ao esquecer de nós mesmos, tendemos a agir automaticamente sendo, portanto, privados de nossa ação intencional. No estado de distração próprio da consciência normal, de vigília, inclinamo-nos a nos identificar com padrões habituais de comportamento, pensamento e sentimento. Presumimos que essa máscara social é a soma total de quem realmente somos. Tendo-nos identificado com essa interpretação limitada e superficial daquilo que somos, achamos difícil nos afastar dessa máscara e experimentar, de uma nova maneira, a nossa identidade. Consequentemente, sentimos a necessidade de proteger e defender essa fachada social.”
 
“Chamarei o passo seguinte à consciência adormecida de ‘consciência autorreflexiva’, que nos provê de um espelho capaz de revelar ou refletir, imparcialmente, quem somos na vida cotidiana. Enquanto a qualidade distintiva da consciência adormecida é o esquecimento de si mesmo (quando agimos automaticamente), a qualidade distintiva da consciência autorreflexiva é a lembrança de nós mesmos (ação intencional, deliberada e voluntária). A consciência autorreflexiva não é uma observação mecânica, mas uma percepção viva, em constante mudança. (…) Em geral, o despertar da consciência autorreflexiva é marcado pelo desenvolvimento progressivo e equilibrado da capacidade de estarmos simultaneamente concentrados (com uma atenção precisa e sutil voltada para os detalhes da vida) e atentos (observando de maneira panorâmica a totalidade da vida). Nossa percepção abarca simultaneamente detalhes diminutos e vastas circunstâncias da vida. (…) Quando conseguirmos perceber ou conhecer nossos padrões automatizados, não mais seremos escravizados por eles. Seremos capazes de agir e viver de acordo com a nossa vontade.” [2]
 
A outra “forma de consciência” abordada por Duane Elgin é por ele descrita como “além da consciência reflexiva”, ou de “comunhão com a vida”, um estágio mais adiantado em que os poucos que o alcançaram já possuem o equilíbrio necessário para prosseguir com clareza na Senda.
 
A classificação dos níveis de consciência feita pelo autor de “Simplicidade Voluntária” assemelha-se com os principais estágios de desenvolvimento da consciência apontados na filosofia da Raja Ioga.
 
O indivíduo centrado em sua essência, que consegue se auto-observar e observar o mundo ao seu redor com alguma imparcialidade, ou o indivíduo com a “consciência autorreflexiva” desperta, encontrará na mensagem teosófica o norte que precisa para orientar-se no processo que pode ser denominado “autocalibragem”.
 
Ao despertar para esse nível de consciência, é comum permanecer por algum tempo à deriva; porém o Esquema Conceitual, Referencial e Operativo (ECRO) do conhecimento teosófico favorece o equilíbrio e o desenvolvimento da consciência emergente, conforme o empenho do indivíduo.
 
A Teosofia aponta o caminho e mostra como otimizar o esforço, ensinando ao caminhante como evitar o desperdício de energia por meio da concentração da mente e do fortalecimento da vontade, a partir de propósitos altruístas.
 
O artigo de Carlos Cardoso Aveline intitulado “A Essência do Movimento Teosófico” contém um subtítulo apropriado para essas reflexões: “Uma Vez Que a Visão da Vida Foi Ampliada, a Raja Ioga Ensina a Concentrar a Vontade”.
 
No texto, Carlos escreve:
 
“Talvez a Raja Ioga, a ioga do autoconhecimento e do autocontrole, possa ser definida como a dimensão interna do movimento teosófico.”
 
“Na primeira fase do contato com a sabedoria, amplia-se a visão de mundo. O estudante deixa de identificar-se de modo excludente apenas com esta ou aquela religião ou filosofia. Ele aprende a ver tanto o joio como o trigo, tanto o erro como o acerto, em cada área de conhecimento humano. Ele passa a pensar e avaliar todas as coisas. Ele ‘esquece de si mesmo’ e adota uma visão altruísta da vida. Mas nisso há um teste e uma provação. O perigo é permanecer entusiasmado com a nova amplidão de horizontes e deixar de firmar a vontade. Neste caso o aprendiz esquece o lema do filósofo Epicteto: ‘Devemos fazer aquilo que depende de nós e não perder energia com aquilo que não depende de nós’. A verdade é que o aprendiz precisa tanto de expansão como de concentração. Sístole e diástole são, ambas, indispensáveis.  Se a teosofia amplia radicalmente os horizontes, ela também deve nos levar a uma concentração  e a uma força de vontade muito maiores do que as que havia antes da ampliação de horizontes.”
 
“É necessário desenvolver a força de vontade, possuir uma meta clara e  produzir fatos concretos na direção buscada, que é nobre e elevada.  A meta é construir algo, ao invés de apenas coletar informações sobre o que está ocorrendo aqui ou ali. Mas onde construir, se não dentro de nós mesmos e na nossa relação com o mundo? O que construir, exceto uma consciência compartilhada da fraternidade universal e de responsabilidade pelo futuro? Quem poderá construir, se não for cada um de nós?  E quando construir, se não for agora?” 
 
“Portanto,  depois de obtida uma percepção ampla e de longo prazo da vida, a tarefa seguinte é desenvolver uma firme força de vontade e colocá-la a serviço do projeto de busca ativa da sabedoria. Este é um tema central da Raja Ioga, ensinada através dos Aforismos de Patañjali e de outras obras. Um mestre de sabedoria resumiu a meta citando trecho de um poema de Alfred Tennyson:  ‘Autorrespeito, autoconhecimento, autocontrole, só estes três dão à vida um poder soberano’. Ao longo deste aprendizado devemos agradecer aos obstáculos, porque é graças a eles que – quando a meta é clara – a Vontade se fortalece.” [3]
 
Seja no âmbito do universo online, na literatura impressa ou nas relações presenciais, percebe-se cada vez mais que a mensagem teosófica está chegando, progressivamente, até os indivíduos autorreflexivos. Ela é uma forma de orientação segura para que cada um possa, voluntariamente, se transformar em um centro autônomo de autorresponsabilidade; em um empreendedor desta nova era, no futuro guerreiro, iogue ou discípulo que atuará na construção, na defesa e na sustentação da Fraternidade da Humanidade em seus aspectos visíveis, a partir de uma raiz profunda.
 
Cardoso Aveline escreve em “O Centro do Círculo de Pascal”:
 
“O objetivo é acordar a si mesmo enquanto se desperta a humanidade, e despertar a humanidade enquanto se acorda a si mesmo-” [4]
 
Também o subtítulo deste artigo realça um ponto importante destas reflexões: “A Ação Individual Pode Provocar Uma Reação Em Cadeia Que Leva ao Despertar Coletivo”.
 
Da minha parte, constatei:
 
“Várias evidências indicam que uma parcela considerável da humanidade hoje (capaz de formar uma poderosa massa crítica) está sendo conduzida para essa porta [Raja Ioga], a qual foi atravessada por poucos ao longo de milênios.”
 
“De acordo com essa perspectiva, o trabalho da Loja Independente de Teosofistas – que é desenvolvido em diversas instâncias no cenário da evolução das almas – revela-se extremamente importante. Aparentemente pequeno, o  esforço da LIT contribui de forma substancial para a vitória dos buscadores da Verdade e para o fortalecimento das bases de uma civilização fundada na ética e na boa vontade.” [5]
 
A chama prossegue acesa. A Nota Chave vibra, o Movimento Teosófico está vivo e atuante.
 
No importante (e profético) documento denominado “A Carta do Grande Mestre”, podemos ler: “os filhos dos teosofistas serão mais provavelmente teosofistas, em seu tempo, do que qualquer outra coisa”. [6]
 
Cabe aos indivíduos que despertam fazer os esforços necessários para vitalizar o movimento, contribuindo para o triunfo da Fraternidade Universal conforme o Plano traçado, de acordo com a Lei.
 
NOTAS:
 
[1] Da Carta 12, no livro “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”,  Volume I, Editora Teosófica, Brasília, DF, 374 pp., ver pp. 86-88.  
 
[2] Do livro “Simplicidade Voluntária”, de Duane Elgin, Ed. Cultrix, São Paulo, SP, 2012, reimpressão em 2015, 206 pp., ver pp. 104-105.
 
[5] Do artigo “Concentração em Raja Ioga”, de Gilmar Gonzaga.
 
[6] Trecho reproduzido de “A Carta do Grande Mestre”, escrita por um Mahatma dos Himalaias.  
 
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O artigoO Despertar dos Teosofistas” foi publicado dia 15 de março de 2019.
 
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Em 14 de setembro de 2016, um grupo de estudantes decidiu criar a Loja Independente de Teosofistas. Duas das prioridades da LIT são tirar lições práticas do passado e construir um futuro saudável
 
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