Pomba Mundo
 
Sete Questões Para um Diálogo Franco
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
O Espiritismo e a Teosofia
 
Helena P. Blavatsky (1831-1891)
 
 
 
Desde o século 19, as relações entre o movimento teosófico e o movimento espírita têm sido complexas, com aspectos harmoniosos e difíceis – o que, aliás, ocorre com bastante frequência entre seres humanos. A longo prazo, parece ter ocorrido um progresso lento e constante. O avanço só tem a ganhar, se o diálogo for cada vez mais aberto e mais sincero.
 
Certa vez uma pessoa engajada no movimento espírita escreveu para um dos associados da Loja Independente de Teosofistas. Havia um desejo de conhecer melhor o ponto de vista da teosofia original em relação ao espiritismo, em relação à mediunidade e algumas outras questões.  O texto a seguir é um resultado da correspondência trocada.
 
1. Crença Cega e Teosofia Original
 
Pergunta:
 
Sugiro que você examine se, ao priorizar a literatura original do movimento teosófico, os associados da Loja Independente não estão presos à letra morta nem apegados ao passado. Sua atitude não será excessivamente rígida? Por que, afinal, valorizar o que é antigo?
 
Comentário:
 
O dogmatismo foge ao debate franco e sereno e teme o exame independente das questões filosóficas.
 
Cabe a cada leitor examinar por si mesmo e decidir se os textos de teosofia original induzem alguém à crença cega, ou se, ao contrário, estimulam a livre investigação e o estudo individual. O que podemos adiantar, como elemento para a reflexão de cada um, é que o fato de trocar um texto clássico por outro texto, mais recente e menos original, não significa ir além da letra morta. Ainda que possa provocar durante um breve tempo uma agradável sensação de novidade, esta troca do que é autêntico por versões açucaradas não constitui garantia de coisa alguma.
 
Ir além da letra morta não é mudar de textos, ou plagiar obras clássicas. É compreender o ensinamento na sua complexidade, examiná-lo bem, vivenciá-lo, e elevar a consciência individual.  Nada deve ser aceito automaticamente: deve-se fazer um exame crítico não só da filosofia esotérica clássica, mas também das já envelhecidas e rotineiras “novidades”, para então saber por mérito próprio o que é joio e o que é trigo.  
 
2. São Válidas as “Canalizações” de Supostos Mestres?  
 
Pergunta:
 
Há hoje numerosas canalizações mediúnicas. Considera-se bastante comum e até corriqueiro conversar pessoalmente com Maitreya, Cristo e diversos tipos de Mestres, personagens que, aliás, costumam fazer afirmações bastante óbvias, dizendo coisas que todos já sabem, mas sempre com um tom professoral, solene e grandioso.    
 
Comentário:
 
As canalizações mediúnicas de Mestres imaginários são uma forma natural de folclore popular. Elas também revelam as limitações intelectuais e filosóficas dos bem intencionados “canais” e “médiuns”. Basta estudar as Cartas dos Mahatmas e comparar o seu conteúdo com os lugares-comuns e os chavões água-com-açúcar dos chamados “Mestres Ascensos” e outras figurações semelhantes, para que se veja a diferença entre o joio e o trigo. 
 
Colocando as obras “A Doutrina Secreta” e “Ísis Sem Véu”, de Helena Blavatsky, ao lado de livros espíritas ou obras atribuídas aos “Mestres” das canalizações, podemos ver em seguida a enorme diferença que existe em profundidade e em abrangência. A verdade é que um número apreciável de espíritas se aproximam a cada ano do movimento teosófico, ou, no mínimo, passam a estudar teosofia. E qual é a causa disso? O motivo está no fato de que a teosofia é imensamente mais ampla, precisa e coerente. 
 
Apesar das suas limitações, o espiritismo tem algumas vantagens em relação aos que acreditam em canalizações. Grande parte do espiritismo leva a sério a prática da ética e da caridade, o que nem sempre ocorre com os grupos “canalizantes”.
 
3. A Sabedoria Eterna Está Desatualizada? 
 
Pergunta:
 
O espiritismo não é uma versão mais moderna e atualizada das velhas doutrinas pitagóricas sobre metempsicose? Por que estudar coisas antigas se há tantos livros recentes, em linguagem fácil e que não requerem qualquer esforço mental?
 
Comentário:
 
O caminho fácil é um não-caminho.
 
O correto esforço mental é indispensável, porque cria novos modos de raciocinar e faz gradualmente com que desperte a inteligência espiritual que abrirá espaço para a civilização do futuro. Só se pode trilhar o caminho espiritual através de um intenso esforço. E não há nada de “desatualizado” em Platão ou Pitágoras, e tampouco nos Upanixades, no Tao Te King, no Bhagavad Gita ou no conceito de Metempsicose. A sabedoria eterna só fica fora de moda do ponto de vista dos modismos superficiais. O caminho espiritual não foi inventado no século vinte, e até mesmo a limitada Bíblia cristã afirma que há uma sabedoria anterior ao mundo. Repetindo a antiga filosofia oriental, o Eclesiástico afirma:
 
“A areia do mar, os pingos da chuva, os dias da eternidade, quem os poderá contar? A altura do céu, a amplidão da terra, a profundeza do abismo, quem as poderá explorar? Antes de todas estas coisas foi criada a Sabedoria, e a inteligência prudente existe desde sempre.” [1] 
 
A Sabedoria eterna é a theosophia. Ela não pertence ao movimento teosófico. É o movimento teosófico que tenta pertencer humildemente a ela. Esta sabedoria está presente na essência de cada grande religião e filosofia antiga e moderna. Está presente em nosso passado, mas também é uma coisa do momento presente, e do nosso futuro. As grandes verdades universais são tão atuais hoje quanto eram há dois mil anos, e continuarão perfeitamente atuais não só durante os próximos três milênios, mas muito além disso.    
 
4. Os Espíritas Conversam Com Cascas Astrais?
 
Pergunta:
 
Em fevereiro de 2010, após um terremoto que matou milhares de pessoas no Haiti, afirmou-se que “foram atendidos em um centro espírita brasileiro inúmeros irmãos vitimados no terremoto, que ainda se encontravam perdidos e em completo desespero”. 
 
O que a filosofia teosófica tem a dizer sobre isso? 
 
Comentário:
 
As Cartas dos Mahatmas ensinam que, em geral, as pessoas mortas de modo súbito devido a desastres naturais passam para um estado de “sono akáshico” – e não para algum estado de “desespero”. Este sono akáshico dura até o momento em que sua morte deveria ocorrer naturalmente.
 
Esta é a tendência geral destas situações: o tema é complexo, e vale a pena estudar o processo da reencarnação em detalhe, incluindo a Carta 68 de “Cartas dos Mahatmas” e as outras Cartas que abordam o tema. [2]
 
Do ponto de vista teosófico, há algo que é básico e elementar. As tentativas de atrair pessoas que morreram para um diálogo no plano físico – violentando assim a fisiologia sutil dos médiuns – são uma forma de necrofilia. Necrofilia é a atenção excessiva e equivocada à morte. Constitui um problema amplo, lucidamente descrito – em outros contextos – pelo pensador e psicanalista Erich Fromm.
 
A teosofia não se apega a cadáveres astrais, e valoriza a vida na sua dimensão transcendente. Mas vamos supor, por um momento, que fosse possível e desejável um contato entre almas e médiuns. Neste caso, por que motivo os mortos do Haiti viriam procurar orientações e conselhos precisamente no Brasil?
 
Todas as afinidades cármicas dos haitianos, tanto individual como coletivamente, estão no Haiti. Aquele país tem as suas próprias tradições religiosas – algumas das quais são, aliás, pouco recomendáveis, e estão ligadas ao pesado carma daquela nação: um exemplo disso é o Vudu.   
 
Não faz sentido pensar que houvesse algum caminho energético e cármico que passasse a ligar de fato – subitamente e fora do contexto – estas almas a algum ambiente sutil brasileiro. A lei do carma não é algo que opera de vez em quando. Ela funciona em todos os aspectos da vida, sem exceção, sempre, e faz isso através do processo de afinidades e sintonias, harmoniosas ou não. 
 
O carma de uma nação constitui uma aura. O carma de uma pessoa constitui uma aura. O carma individual é um processo dinâmico, sistêmico, que tem o seu próprio centro de gravidade. Não há casuísmos no processo pós-morte. Colhe-se após a vida física o que se plantou durante a vida.  
 
As almas que parecem ter surgido nesta instituição espírita brasileira são do Haiti, e o desastre natural do Haiti foi motivo de ampla cobertura da mídia. Poderíamos perguntar:
 
“Mas por que não é mencionada a aparição em círculos espíritas brasileiros de vítimas da catástrofe de Darfur, na África, onde tantos milhares de pessoas vêm morrendo há anos, de fome e inanição ou por massacres promovidos por tropas tribais hostis?  Será porque Darfur hoje não é notícia na mídia? Será porque os espíritas, em geral, desconhecem tudo sobre as mortes por fome e por massacres na África, enquanto que o desastre do Haiti foi – durante alguns dias – um fenômeno de mídia?”
 
Examinemos isso com calma, sabendo que os nossos irmãos espíritas são honestos e bem-intencionados. 
 
Uma explicação possível para o mistério está no fato de que na luz astral tudo é plástico e multiforme. A luz astral, nos seus planos inferiores, é essencialmente maiávica, isto é, ilusória. Não há, nela, qualquer diferença clara entre fantasia e realidade. Assim, as cascas astrais não-evoluídas que flutuam pelo astral inferior depois de serem abandonadas pelos seus eus superiores têm todas as condições de adotar a forma dos pensamentos e das expectativas emocionais e mentais dos presentes em qualquer sessão espírita. Fazem isso de modo natural e inconsciente. Ocorre deste modo um processo de osmose e de “empatia vampirizadora”: as cascas astrais sugam a energia vital dos médiuns e de outras pessoas ali presentes, obtendo uma fugaz sensação de sobrevida física. O fato é gravemente prejudicial para todos os envolvidos. [3]
 
Se há nos presentes à sessão espírita a expectativa de conversar com Napoleão Bonaparte, qualquer casca astral atraída para aquele círculo mediúnico terá grande prazer em fazer-se passar por Napoleão Bonaparte e obter assim energia vital dos pobres médiuns e ajudantes da sessão.
 
O mesmo vale para Elvis Presley, para Sigmund Freud, São Francisco de Assis, o escritor francês Vitor Hugo, e assim sucessivamente. A capacidade humana de autoilusão não pode ser subestimada. Basta alguma pessoa famosa morrer para que as cascas astrais que rondam os círculos espíritas comecem a adotar em suas aparições as imagens e as frases da pessoa que estão presentes nas auras e nas memórias dos médiuns, e nas auras e memórias dos que participam das sessões mediúnicas, atendendo, assim as expectativas emocionais dos ingênuos movidos por boas intenções.    
 
5. O Contato Real Com Os Que Partiram
 
Pergunta:
 
Há alguma forma de contato real com os que morreram?
 
Comentário:
 
O contato substancial e não-verbal da alma de quem morreu com os seres queridos ocorre de modo natural, num plano sutil, através do processo de afinidade cármica e sem “intermediários”.
 
Pretender trazer o contato sutil para o plano externo, verbal e físico, através de intermediários sem afinidade cármica, é algo que avilta, materializa e torna falso um processo que, quando ocorre no plano elevado, é autêntico. O processo mediúnico pelo qual se tenta conversar fisicamente com cascas astrais deste ou daquele falecido é literalmente antievolutivo, porque a evolução natural pede que a alma avance, e não se detenha – e muito menos retroceda – na sua marcha libertadora em direção a planos mais sutis.
 
Há um aspecto central do mundo da luz astral que o espiritismo parece ignorar. Os nossos amigos espíritas creem, ingenuamente, que o mundo astral é estável e homogêneo. Eles chegam a imaginar a existência de complexas cidades astrais. 
 
Na verdade, todo o processo pós-morte é estritamente individual. Ele é causado pelos processos de causa e efeito da vida concreta do indivíduo. A trajetória pós-morte ocorre na aura individual.  
 
O contato verbal de uma alma do mundo do pós-morte com o plano físico é irreal, e, caso fosse possível, seria frontalmente contrário à lei da natureza, porque a lei impele a alma para o plano sutil e superior. O que fica no astral inferior são as cascas abandonadas pela alma imortal que seguiu viagem para o alto.  
 
Parte do espiritismo é involuntariamente materialista, porque suas ações giram em torno da ideia de um contato físico e verbal com os mortos. O apego a “fenômenos”, a fascinação por “passes magnéticos” – tudo isso fica mais próximo do xamanismo inferior do que de uma real espiritualidade. Mesmo os conceitos de caridade e fraternidade do espiritismo se limitam a uma dimensão excessivamente material.
 
Ao lado disso, também é verdade que a ação física não pode ser desprezada, e o espiritismo mostra um potencial positivo muito grande para a ação solidária e a vivência da fraternidade universal.
 
O espiritismo vive o respeito à diversidade de visões do mundo. Os aspectos positivos da vida e da obra de Francisco Xavier – por exemplo -, ou de Bezerra de Menezes, não podem ser ignorados.
 
6. Helena P. Blavatsky Foi Médium?
 
Pergunta:
 
Os teosofistas criticam com razão a mediunidade espírita. Mas devemos examinar honestamente a hipótese de que Helena P. Blavatsky tenha sido, ela própria, uma médium. Afinal, mesmo vivendo em meio à civilização atual, a fundadora do movimento esotérico moderno mantinha diálogos telepáticos e outras formas de contato a distância com Mestres de Sabedoria que vivem em locais secretos e inacessíveis da cordilheira dos Himalaias. Haverá alguma diferença importante entre estes fenômenos teosóficos e a mediunidade espírita? 
 
Comentário:
 
Ótima pergunta. Os mestres dos Himalaias são seres humanos fisicamente vivos. Eles têm corpos físicos, tanto quanto os demais membros da nossa humanidade. Além disso, eles têm o dom da telepatia. Eles usam a telepatia verbal precisa no diálogo com aqueles discípulos seus que estão mais avançados e que passaram por treinamento específico nos seus ashrams nos Himalaias, como era o caso de Helena Blavatsky. 
 
Quando necessário, os Raja-Iogues que inspiraram a criação do movimento teosófico também podem transportar-se fisicamente, de modo instantâneo, a longas distâncias. Com um esforço muito menor, eles podem projetar-se astralmente para qualquer local em que for necessária a sua presença mais ativa. Isso, porém, foi feito raramente, e apenas na fase pioneira do movimento teosófico (1875-1891), durante a qual houve um esforço especial por parte deles. Os mestres evitam todo desperdício de energia. A telepatia não-verbal em planos superiores de consciência (ao nível de Buddhi-Manas) é o seu meio normal de contato com pessoas de boa vontade, discípulos e aspirantes ao discipulado. Tais contatos ocorrem quase sempre de modo imperceptível. Além de pouco frequente, este processo é supraverbal, ou seja, não ocorre através de palavras.  
 
Há uma regra do aprendizado que não poderia ser quebrada nem pelos Mestres, ainda que eles quisessem: cada um deve avançar por mérito próprio. A função dos raja-iogues, portanto, não é distribuir muletas. O ensinamento da filosofia esotérica original é mais do que suficiente para que cada um aprenda a andar por vontade própria. 
 
Dito isso, vejamos a questão da mediunidade. 
 
Em geral, entende-se mediunidade como implicando uma perda de autoconsciência e de autocontrole por parte do indivíduo que é chamado de médium. Isso, para a teosofia, é condenável. 
 
Considera-se inaceitável a perda de autoconsciência em todas as situações referentes à aprendizagem espiritual. Só o indivíduo consciente pode ser responsável e, agindo corretamente, criar bom carma. A teosofia coincide com a pedagogia de Paulo Freire, que valoriza a autonomia do aprendiz. Se o altruísmo, por exemplo, não for uma decisão própria, não há mérito, nem progresso, nem verdadeiro altruísmo.
 
Além de perder a autonomia, na mediunidade espírita o médium faz – supostamente – contato verbal com a alma de alguma pessoa que já está fisicamente morta. Isso também é condenável. A filosofia esotérica não vê nada de positivo nas tentativas de contato verbal intermediado com almas de pessoas que morreram, em primeiro lugar porque é impossível, e em segundo lugar é indesejável. Para a teosofia, o Jesus do Novo Testamento está correto ao ensinar, no evangelho segundo Mateus:
 
“Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos.” (Mt, 8: 22)
 
E a passagem é repetida no evangelho segundo Lucas:
 
“Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos. Tu, porém, vai e anuncia o reino…”. (Lc, 9: 60) 
 
“Anunciar o reino” é refletir e falar sobre as coisas realmente espirituais, universais e elevadas, deixando para trás todo apego ao passado de ordem pessoal.
 
Com a perda de controle do corpo, a mediunidade inferior rompe e destrói a fisiologia oculta do indivíduo, causando problemas sérios durante a vida atual – e ainda mais graves depois da vida física, inclusive nas encarnações posteriores. 
 
A mediunidade inferior atrai as cascas astrais – os cadáveres e semicadáveres astrais – para junto do médium. Isso é sumamente insalubre. Ao dar sobrevida astral a tais restos sutis semi-inteligentes, o espiritismo faz com que este material astral inferior se transforme  em “habitantes do umbral” que atuarão de modo potencialmente terrível durante a próxima encarnação  do indivíduo a quem tais cascas pertenceram. Os “habitantes do umbral” funcionam como “alter egos” sombrios que obstaculizam o progresso da alma na encarnação seguinte.[4]  
 
No caso do discípulo esotérico, a situação é inteiramente diferente. O contato se dá em planos superiores de consciência e, portanto, não há perda de autoconsciência nem de autocontrole. Tampouco existe qualquer violência contra o processo sutil, mas natural, pelo qual uma alma controla o seu próprio corpo. [5] O discipulado não reduz, mas acentua, a autorresponsabilidade e o autocontrole no que diz respeito ao caminho espiritual.
 
7. Concluindo: Alguns Pontos Essenciais
 
Pergunta:
 
Onde está, então, o erro básico do espiritismo? Qual a lição que deve ser aprendida?
 
Comentário:
 
Uma falha central está no seguinte fato: o espiritismo, assim como a pseudoteosofia, não percebe que nem tudo o que ocorre no plano astral é espiritual. A verdade é que – muito pelo contrário – tudo é ilusório nos planos inferiores do mundo astral.
 
Pensar que qualquer coisa situada além do mundo físico é necessariamente autêntica e espiritual constitui uma grave ingenuidade cujos resultados práticos são dos mais negativos. É só depois da segunda morte, a morte astral, que a alma se prepara para renascer no Devachan – a esfera purificada da sua própria aura individual – e pode finalmente obter um renascimento “no paraíso”, o plano da verdade e da autenticidade.
 
Mas este é um “paraíso” individualmente criado e individualmente vivido. Ele é impessoal e está situado muito além do mero plano astral inferior, em que “vivem” as cascas e dejetos da alma que se elevou.   
 
Todo o processo entre duas vidas físicas é determinado pelo histórico cármico individual, que se organiza segundo a lei de causa e efeito. A cadeia de plantios e colheitas ocorre no microcosmo da aura da alma imortal reencarnante. A alma imortal também pode ser chamada de Atma-Buddhi, de Mônada, de Alma Espiritual, de Eu Superior ou Tríade Imortal.
 
O espiritismo não vê com nitidez a diferença entre eu superior e eu inferior, e parece pensar que a reencarnação do eu inferior é normal.
 
Na verdade, porém, o eu inferior só reencarna no caso das mortes durante a infância, quando ele não teve tempo de cumprir sua função – que é dupla. De um lado, ele deve recolher material para o aprendizado do eu superior; de outro lado, deve expressar ativamente no mundo a presença e a energia deste eu superior.
 
Além das situações de morte infantil, há algumas outras poucas ocorrências  excepcionais em que o eu inferior reencarna, e então isso ocorre num tempo relativamente breve depois da morte física.  O normal, porém, é que o eu inferior passe pela morte astral e se dissolva. Isso dá lugar à longa e abençoada experiência do Devachan, o “local divino” entre duas encarnações. O intervalo normal entre duas vidas varia entre mil e quatro mil anos, fato que os autores espíritas também parecem não levar em conta. Eles imaginam que os intervalos são pequenos.  
 
Estes são alguns pontos básicos a serem compreendidos e assimilados. A visão teosófica do pós-morte vem atraindo crescentemente a atenção dos espíritas. O diálogo entre espíritas e teosofistas tem se ampliado. Uma tendência natural parece ser que, no futuro, o espiritismo acelere a marcha já iniciada na direção do resgate das dimensões filosóficas do pensamento. Este processo saudável de resgate implica uma renúncia a ilusões e ingenuidades, enquanto se valoriza com discernimento aquilo que o espiritismo tem de melhor: a ética, a caridade, a fraternidade, e a mística do amor universal.
 
É igualmente importante, porém, estimular o respeito incondicional pela verdade em si, seja ela agradável ou desagradável a curto prazo.   
 
NOTAS:
 
[1] Eclesiástico, 1: 2-4. “A Bíblia de Jerusalém”, Ed. Paulinas.   
 
[2] A indicação dos números destas cartas pode ser obtida através do “Guia de Leitura das Cartas”. Sobre reencarnação, veja também os capítulos seis a onze de “A Chave da Teosofia”, de H. P. Blavatsky, e os capítulos quatro a treze de “O Oceano da Teosofia”. A obra “O Oceano da Teosofia” está disponível em nossos websites associados.
 
[3] Este processo é especialmente negativo não só para o médium, mas também para a alma imortal a que um dia pertenceram estas cascas astrais. Porque, ao invés de desaparecerem rapidamente, tais cascas – ou os registros delas – estarão esperando pelo novo nascimento da alma imortal. Quando uma nova encarnação ocorrer, serão atraídas pelo processo de afinidade cármica para a aura do novo ser, trazendo a ele desafios e obstáculos sérios.
 
[4] A este respeito, veja-se o romance “Zanoni”, de Edward Bulwer-Lytton, do qual há mais de uma edição em língua portuguesa.   
 
[5] Sobre a questão do discipulado versus mediunidade, há um texto extremamente esclarecedor de H.P.B., intitulado “Os Chelas São ‘Médiuns’?”. O artigo pode se encontrado em nossos websites associados.   
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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