Graças ao Raciocínio Correto, a Sua
Atividade Será Mais Lúcida e Eficiente
 
 
Jean des Vignes Rouges
 
 
 
 
 
Você sabe pensar corretamente, isto é, com lógica?
 
Você considera que esta pergunta é uma falta de respeito. No entanto, agora há pouco, você disse: “Fulano é um imbecil!” Este seu julgamento foi baseado em um estudo aprofundado da psicologia do “Fulano”? Claro que não! Aquele homem se permitiu ter uma opinião diferente da sua, ou o seu cabelo ruivo e o seu nariz torto desagradaram você, e isso foi o suficiente para desencadear a sua avaliação maldosa!
 
Será que isso é pensar corretamente? Evidentemente não.
 
Em outro momento, porque lhe disseram que um certo fato havia acabado de acontecer, você afirmou com veemência a realidade do acontecimento; depois, descobriu-se que não passava de uma mentira. Esta foi conduta de um homem razoável?
 
Vi você agir e pensar por pura imitação dos outros. Pelo fato de que os seus pais, as autoridades, “pessoas muito boas” ou os vizinhos agiam e pensavam de determinada maneira, você se conformava com a opinião geral.
 
Quantas vezes, depois de ler um só livro, um só jornal, sobre uma questão social, econômica, moral, você não declarou peremptoriamente: “Esta é a verdade!”
 
Em determinada situação, você adotou uma atitude feroz com grande convicção porque, segundo disse, era “uma questão de princípio”. Ora, este princípio era na verdade simplesmente um preconceito e uma ideia pronta sobre a qual nunca você tinha refletido.
 
E não preciso falar dos casos em que, por preguiça, por negligência ou indiferença, você se absteve de pensar corretamente. São tão numerosos!
 
Será necessário lembrar também das inúmeras situações em que uma determinada ideia ou possibilidade de ação lhe pareceu contrária aos seus interesses? Você então rejeitou a ideia como absurda, sem examiná-la mais profundamente, qualificando-a ainda como imoral, ridícula ou contrária à honra da pátria.  
 
Não conheço a sua vida íntima, por isso posso dizer, sem ferir a sua sensibilidade, que há quem ame uma mulher feia, estúpida e perversa e fica extasiado diante da beleza, da inteligência e da gentileza daquela que o cega. E nenhum homem pode ter a pretensão de que não é esse indivíduo.
 
Esta lista não pretende humilhá-lo, mas visa simplesmente fazê-lo compreender que, como todos os homens, você pensa que está usando a sua inteligência para perceber a verdade, quando, na realidade, são os seus hábitos, seus preconceitos, as suas simpatias, os seus ódios e seus apegos que se expressam sem qualquer preocupação com a lógica, e às vezes sem qualquer bom senso.
 
Isto traz alguns inconvenientes para você que deseja ter uma vontade forte, uma vontade inteligente, capaz de levá-lo ao sucesso; porque quem age raciocinando erradamente, ou deixando-se enganar pelos seus sentimentos, não entra em contato com a realidade, nem com a verdade; ele se movimenta num mundo de ficção e erro; ele mente para si mesmo, assim como mente para os outros; ele é um “caçador de borboletas”. Em suma, a sua vontade não pode ser eficiente.
 
Você deve treinar-se, portanto, para pensar corretamente, ou seja, para poder registrar os fatos tal como eles são e examiná-los sem preconceitos, submetendo-os a críticas agudas, sabendo interpretá-los com inteligência, tirando conclusões por meio de raciocínios cujo rigor lógico você verificou, e buscando provas claras, nítidas e convincentes das suas hipóteses. Deve recusar-se a se deixar levar por impressões e opiniões inspiradas pela paixão. Precisa rejeitar as teorias vagas e confusas, clarificar as suas decisões através de um conhecimento amplo, de um espírito sutil capaz de enxergar as nuances, e finalmente deve ter a coragem de reconhecer os seus erros.  
 
Parece fácil seguir este programa. Na realidade, ele é um convite ao atletismo espiritual. De fato, a prática de todas estas operações intelectuais supõe que já tenhamos superado a formidável barreira representada pela crença espontânea de que estamos na posse da verdade.
 
Veja quantas vezes – por fraqueza, por vaidade, preguiça, autoestima, ou ciúme, por necessidade de impressionar o público ou de enfurecer a sua sogra – você adota esta ou aquela opinião, ideia, atitude, e fica absolutamente convencido de “estar certo”. Levado pelo sentimento, ou pelo automatismo do seu pensamento, você proclama a sua boa-fé e o rigor absoluto das suas argumentações. Veja mais provas deste fenômeno nas opiniões expressas por um proprietário de imóvel e seu inquilino relativamente a uma lei de alugueis. Examine com que sinceridade cada um deles descreve a lei como uma “negação da justiça”, ou como “um ato de elevada sabedoria”, dependendo de se ela prejudica ou beneficia os seus interesses materiais.
 
Você compreende, deste modo, por que motivo é necessária às vezes uma extraordinária reserva de imparcialidade para julgar de modo correto e razoável: o processo pode questionar as mais sólidas certezas.
 
Você já ouviu algumas vezes – não é mesmo? – um perfeito imbecil falando asneiras com um orgulho presunçoso que lhe pareceu cômico ou irritante, conforme o caso. “Como é possível”, pensou você, “que alguém engane a si mesmo desta maneira?”
 
Você tem uma profunda certeza de que sempre terá, em relação a si mesmo, mais discernimento do que esse indivíduo?
 
A Coragem de Fazer Algumas Perguntas
 
Para se acostumar a pensar corretamente sobre “o verdadeiro” e “a realidade”, tenha a coragem – ou talvez o heroísmo – de se fazer de vez em quando perguntas como estas:
 
Acabei de renunciar a um empreendimento, a uma competição para alcançar um emprego, por uma questão de “gentileza de alma”, segundo eu disse. Não houve também timidez ou preguiça na minha desistência?
 
Creio que estou expressando a minha tenacidade ao continuar este projeto que depende do puro acaso. Isso não será prova de uma teimosia absurda?
 
Tive muito sucesso em determinada questão. Foi um prazer enorme. Sinto-me orgulhoso, considero-me um “sujeito bastante forte”, dotado de um discernimento a toda prova. Será que esta crença não me empurrará para uma aventura que terminará mal?
 
​ Durante uma competição, meu adversário fugiu de mim por covardia. Devo concluir disso que a minha coragem é inabalável?
 
Aquilo que eu considero em mim mesmo como “um nobre orgulho”, e “uma dignidade orgulhosa” não se assemelha, por acaso, à arrogância estúpida ou à vaidade estúpida que observo nos outros?
 
Acabo de passar por uma derrota, e expliquei-a aos outros e a mim mesmo alegando todo tipo de razões que tornam a situação mais fácil para a minha autoestima. “Arrumei” um pouco os fatos, atribuí a mim mesmo o bom papel, mencionei “inimigos amargos” e a “sorte contrária”. Será que essas explicações são consistentes com a realidade? Talvez seja melhor eu procurar as verdadeiras causas do meu fracasso. Eu aprenderia, com isso, uma lição valiosa.
 
Finalmente, em outras circunstâncias, force-se a pensar:
 
“Neste momento, estou-me deixando levar pela covardia, pela preguiça, e evito fazer um esforço para pensar. Estou errado, tenho que reagir!” Ou repita estas palavras: “Neste instante estou tomado pela raiva, pelo ódio, pela ambição, pela indignação, pelo amor, ou pelo medo; este estado mental não me permite discernir a verdade. Devo dominar esses sentimentos agitados para ajustar minhas ações à realidade, e não às ficções que o meu cérebro produz.”
 
Pensar corretamente, portanto, é ter força e coragem para superar a si mesmo.
 
“E também é uma espécie de suicídio”, diz você, tristemente. Exato! O exercício da razão inclui a obrigação de limitar uma parte da sua personalidade. Devemos sacrificar e esmagar com dúvidas e suspeitas, boa quantidade de sentimentos que seria agradável deixar em liberdade.
 
O Preço a Pagar Pela Vitória
 
Mas a conquista da verdade é obtida pagando este preço. Você tem que pagar por ela. Em compensação, você será capaz de compreender a realidade com mais força, e de lidar com ela de forma eficaz. Graças ao pensamento correto, você escapará dos erros e dos perigos aos quais os impulsos descontrolados, ou as rotinas paralisantes, o empurrariam. Você dominará até seus instintos e seus apetites. Assim a sua atividade, melhor esclarecida, será mais produtiva.
 
Porém, chegando ao fim desta análise, encontro de novo uma verdade que domina todas as outras: a necessidade de evitar os excessos, de respeitar o equilíbrio vital. Por isso apresso-me a acrescentar: a preocupação de pensar corretamente não deve se transformar em uma preocupação ansiosa em relação ao que é a verdade. A dúvida prévia e o pensamento crítico, quando se tornam uma mania, matam toda iniciativa. Devemos ter dúvidas para agir melhor, e não pelo prazer de analisar a nós próprios.
 
As perguntas que você se coloca, para tornar mais eficiente o seu instrumento mental de investigação e de raciocínio, devem visar, portanto, sobretudo as relações entre as coisas e os homens. O objetivo é compreender estas relações e não criar obstáculos artificiais à sua ação.
 
Porque devemos reconhecer a importância daquilo que os filósofos chamam de “mentiras vitais”. Nenhum homem pode viver sem alimentar em si mesmo esperanças que, na verdade, são inverificáveis. Elas são geradas pelas exigências da nossa natureza. Elas representam nossas maneiras de sentir, nossas necessidades profundas, a nossa personalidade. A razão e o pensamento crítico devem guiar estas forças, mas é preciso cuidado para não destruí-las.
 
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Jean des Vignes Rouges é o pseudônimo literário do militar e escritor francês Jean Taboureau (1879-1970).
 
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O artigo acima foi publicado como item independente nos websites da LIT no dia 22 de abril de 2024. “Pensar – Desenvolva o Seu Espírito Crítico” pode ser lido também na edição de fevereiro de 2024 de “O Teosofista”. O texto é parte do livro “Dictionnaire de la Volonté”, de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 319 pp., 1945, pp. 76-79. Veja o original em francês: “Penser – Développez Votre Esprit Critique”. A tradução é de Carlos Cardoso Aveline.
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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