Reflexões de um Aprendiz
 
 
Joel Marques V. Amorim
 
 
 
 
 
Somos todos pedras brutas…
Eu sei. Já me foi ensinado.
Já me disseram isso inúmeras vezes.
Sei também que a realidade da minha pedra é diferente da tua.
Nossas experiências nos diferenciam.
Nossas jornadas nos levaram a conhecimentos, emoções e desejos diferentes.
Mas essas mesmas diferenças nos uniram nessa jornada conspícua.
Somos todos irmãos de pedra.
 
Somos todos pedras brutas…
Porque toda pedra se originou na mesma mente universal, justa e perfeita.
E por essa Inteligência Cósmica, essa força que é o próprio Universo criador e incriado, fomos colocados na mesma pedreira universal.
Com nossas mentes primitivas, unidas pela força vital do universo, compartilhamos tudo que vivenciamos, uns com os outros.
Só me resta pensar, imaginar, sentir, mentalizar… Harmonizar-me com o todo.
Criar a cada instante uma nova esperança e um desejo por liberdade.
Somos todos irmãos na origem.
 
Somos todos pedras brutas…
Mas nascidos da mesma matéria divina.
Somos frutos abençoados da mesma esperança, de um gesto de amor, de uma centelha de luz.
Estamos presos nesta pedreira. Fazemos parte dela. Somos um pedaço dela.
Ainda não temos como nos diferenciar da pedreira em que estamos incrustados.
Estamos dentro dela, não importando se no cume ou na base, em cima ou embaixo, tocando a terra ou beijando o céu.
Aprisionados estamos por conta da ignorância, das falhas, defeitos e desejos.
Somos cada um e ao mesmo tempo, somos parte do todo.
Somos todos irmãos na igualdade.
 
Somos todos pedras brutas…
Inseridos nessa muralha viva que pulsa silenciosamente.
Que vibra eterna e constantemente em movimentos harmônicos, emitindo luz e dando vida a tantas outras coisas.
Às vezes a pedreira nos comprime… às vezes nos dilata.
Parece querer brincar conosco, com os nossos sentimentos de pedra.
Nos sacode, incomoda e acomoda, encaixando-nos no imenso mosaico da vida.
Colocando-nos a cada nova vida na posição correta, justa e perfeita, apropriada à nossa evolução espiritual.
Nos falta esse entendimento de que nada é por acaso e tudo tem seu momento, seu instante de ser.
Estamos alheios às vicissitudes da matéria.
Pare, respire, silencie um pouco.
Escute o sussurro, o lamento e o choro dessa nova vida que teima em brotar dentro de nós.
Busquemos o silêncio na pedra, na nossa pedra.
Somos todos irmãos no silêncio.
 
Somos todos pedras brutas…
Tudo conspira para a perfeição.
Tudo a seu tempo, a seu modo, num eterno ir e vir, como as ondas no mar.
Devemos gastar nosso tempo conversando com a pedra que somos nós.
Carinhosamente, complacentemente, descontraidamente. Conversa de amigos.
Devemos tocar e sentir a pedra.
Conhecer nossas imperfeições, asperezas e impurezas.
Sem pressa, com intimidade, mundanamente.
Revelando todos os nossos mais profundos segredos e mistérios.
Construir e desconstruir. Ir e vir. Nascer e morrer. Pensar e existir. Acomodar e Agir.
Somos todos irmãos no autoconhecimento.
 
Somos todos pedras brutas…
Pois cada nova vida que nos é presenteada, nos adiciona uma nova camada de pedra.
Sedimentados, acomodados, modelados, comprimidos e endurecidos, como pedra que devemos ser.
E de camada em camada, de vida em vida, aparentemente vividas sem sentido, tornei-me quem sou.
E assim fui, sou e serei, através do tempo, no espaço infinito, dentro de mim.
Nasci para evoluir e devo morrer para continuar existindo.
Não posso permitir que as minhas imperfeições continuem a atrapalhar a minha evolução.
Sou prisioneiro dos meus erros… de mim mesmo.
Somos todos irmãos na angústia.
 
Somos todos pedras brutas…
Mas em algum momento algo muda. Tudo sempre muda.
A centelha divina, antes adormecida, frágil, desperta.
Exuberante em sua beleza, paciente em seus desejos, implacável em seus propósitos.
Já senti isso antes, em outras vidas, mas nunca tão intenso como agora.
Nunca tão desejoso por nascer e agir no mundo.
Esse jogo de contrários, fluxo e refluxo, expansão e contração, calmaria e excitação, cresce dentro de mim e me incomoda.
Sinto medo pois tal força, até aqui desconhecida em tamanha intensidade, apavora, agride, aflige, impacienta, incomoda.
O temor pelo desconhecido se avoluma.
Somos todos irmãos no medo.
 
Somos todos pedras brutas…
Mas meu desejo incontrolável por evolução finda por me dilacerar pouco a pouco.
Essa miríade de sentimentos confusos, essa mixórdia sem sentido, termina por romper, quebrar, rasgar minha estrutura lítica.
Essa força nunca antes sentida em meu corpo e em minha mente de pedra machuca.
Com a dor vem a percepção que agora há espaços por onde poderei soltar-me da pedreira.
A argamassa da ignorância e do medo de saber quem realmente sou finalmente cede.
Quando batemos o cinzel do autoconhecimento na nossa carne de pedra, sentimos dor.
Aquilo que nos é mais supérfluo é justamente o que está mais incrustado na pedra: nossos defeitos.
Comecei a minha dolorosa caminhada.
Mas agora reluto em me libertar da pedreira que sempre me abrigou.
Somos todos irmãos na dor.
 
Somos todos pedras brutas…
Mas essa força, motor da evolução, urge insuportável, inclemente e implacável.
Me empurra, afronta, intimida.
Expõe minha covardia.
Me força a compreender e reconhecer fraquezas.
Desnuda as falhas, a ignorância, as imperfeições e a necessidade de ser liberto.
Percebo que o mundo na pedreira já não me faz sentido algum. Não me satisfaz. Não me completa.
Algo me instiga a conhecer, percorrer, experimentar.
Preciso me harmonizar com todas as frequências de minhas emoções e pensamentos.
No ponto exato onde os extremos se tocam, onde o princípio encontra o fim, onde o fim é o próprio meio, devo encontrar o ponto de equilíbrio necessário à minha evolução.
Somos todos irmãos na esperança.
 
Somos todos pedras brutas…
Porque tenho o tempo certo para ser extraído da pedreira.
No átimo preciso de reflexão e autoconhecimento, meu momento chega e então liberto meu corpo de pedra.
Sou poeira das estrelas que um dia brilharam.
Mas tenho dificuldades para entender que agora sou apenas isso.
Reluto em aceitar que sempre serei somente isso: pó e apenas pó.
Minha prepotência e orgulho. Minha vaidade e ganância. Conquistas e desejos supérfluos lutam para permanecer intocados.
Meu desejo por mudança cambaleia, tropeça e se agarra à esperança do que realmente sou.
Sei o que fazer, mas não sei se quero.
Somos todos irmãos na dúvida.
 
Somos todos pedras brutas…
Jogado ao relento das minhas reflexões,
Sou pedra bruta, não sou nada.
Sou pedra bruta, serei tudo que desejar ser.
Meu poder é infinito como a própria Lei Una que me criou através de sua vontade e do pensamento.
Sou luz forte, brilhante e penetrante que não se subjuga.
Sou luz que não se intimida diante dos apelos das trevas da ignorância e do atraso.
O poder da mudança estava dentro de mim o tempo todo, sufocado pelas minhas ambições.
Subjugado pelas paixões e vontades da vil carne de pedra que me impedia de abrir os olhos da alma.
Amordaçado pelo orgulho de me achar, de maneira errada, especial.
Como não percebi? Não senti? Como não ouvi, não refleti, não entendi algo tão claro?
Somos todos irmãos na reflexão.
 
Somos todos pedras brutas…
Mas ciente de que sou o resultado das escolhas que fiz ao longo de todas as minhas caminhadas.
Sou, além de tudo, resultado das escolhas que posterguei, deleguei ou releguei.
Religare. Ouço essa palavra como um sinal, um guia, uma chama, uma chave, uma sentença inapelável.
Devo estar puro.
Mas para isso preciso antes responder pelas minhas ações e pensamentos.
Sou pedra bruta, mas isso não é desculpa e tampouco me consola.
Sou o único responsável pelo tempo desperdiçado nessa e nas outras vidas.
Sou pedra bruta e serei julgado por minhas obras.
Aceito e preciso disso como prova da minha redenção.
Somos todos irmãos na resignação.
 
Somos todos pedras brutas…
Mas ao perceber o poder infinito que detenho, oculto pelas minhas fraquezas, liberto-me.
Meu momento chegou.
Numa explosão de felicidade, renovo as esperanças.
No confronto que se avizinha, tenho todos os demais buscadores para chamar de irmãos.
O caminhar é solitário, mas solidário.
Destino compartilhado no final, onde todos nos encontraremos.
Reflito e percebo que a solidão pode ser material, mas não espiritual.
Sempre fui guiado, de modo silencioso, pelos Irmãos que regem a evolução do Universo.
Esses Irmãos superiores são meu principal apoio nesse momento.
Uso-os como alavanca para que eu possa afastar-me da pedreira.
Libertei meu corpo, mas preciso continuar meu trabalho.
Preciso libertar-me por completo da pedreira que ainda mantém minha mente prisioneira.
Somos todos irmãos na liberdade.
 
Somos todos pedras brutas…
Mas num influxo divino, percebo que faço parte de algo muito maior do que a pedreira que acabei de me soltar.
Sinto isso, sentimos isso.
Mas e agora? Por e para onde ir?
Há uma pedra cúbica, de arestas perfeitas, dentro de mim.
Deixarei que se revele em toda sua magnitude.
Devemos trabalhar a pedra e a pedra deve nos trabalhar.
Dentro de todos nós, pedras toscas e mal-acabadas, bate um coração feito da pedra polida na mais perfeita simetria.
Essa pedra só precisa ser revelada, descoberta, amada.
Mas para que serve uma pedra?
Uma pedra em si não é nada senão um pedaço da criação esquecida em seu lamento.
Essa pedra só faz sentido se pertencer a uma construção.
Para isso servem as pedras.
Somos todos irmãos na busca.
 
Somos todos pedras brutas…
Estou liberto e jogado ao sereno da contemplação.
O tempo e a solidão são agora meus companheiros de jornada.
Estou entregue a mim mesmo no mais profundo silêncio.
Mergulhado em minhas reflexões e orações.
Complacente e pensativo.
Vejo marcas no caminho.
Observo que há lugares que já foram ocupados.
Mas hoje resta apenas a trilha que deixaram.
Olho para os lados e vejo inúmeras outras pedras que, como eu, não sabem o que fazer.
Paralisadas estão pelo medo do novo que se avizinha.
Olho para a pedreira, minha antiga morada. Não sinto saudades.
Somente tristeza pelos que lá ainda estão.
Nela vejo inúmeras pedras que pensam que se soltaram.
Outras que desejam permanecer lá para sempre.
Somos todos irmãos na solidão.
 
Somos todos pedras brutas…
Mas preciso continuar a jornada, pois não faz sentido continuar aqui.
Esqueçamos as outras pedras.
Que sejam livres para fazer suas escolhas e encontrar seus caminhos no tempo certo.
Temos tamanhos, volumes, formas, cores, densidades e texturas diferentes.
Preciso continuar a me conhecer, me tocar, e sentir o que precisa ser removido porque não faz parte de mim.
Observo os meus irmãos de caminhada. Percebo que eles pensam e fazem o mesmo.
Compartilhamos nossas ferramentas de amor, bondade, tolerância, respeito, compreensão, altruísmo, fé, esperança.
No entanto, ainda estamos longe da perfeição e do destino.
Sequer sabemos a distância que ainda será necessário percorrer.
Algumas pedras pensam que seguem.
Outras pensam que são seguidas.
Não percebem que o caminho e o destino são um só.
Sem líderes ou seguidores.
Apenas andarilhos de pedra.
Somos todos irmãos na caminhada.
 
Somos todos pedras brutas…
Com um oceano de incertezas, mas um universo de fé à nossa frente.
Curiosidade sobre quem serei na minha próxima existência? Não interessa.
A forma física? Pouco importa.
O berço? Indiferente.
A língua? Um mero detalhe.
Minhas futuras posses? De nada valem.
Só me importa aquilo que conquistei e me diferencia: meu desejo por mais mudanças.
Esse apetite que sequer desconfiava que tivesse? Que cresça. Não deve ser saciado nunca.
Meu desejo pelo verdadeiro conhecimento, minha paz espiritual e serenidade devem ser os instrumentos para lapidar e retirar os excessos da minha pedra.
Devo voltar à minha origem, revelando a pedra polida que sempre fui.
Somos todos irmãos na descoberta.
 
Somos todos pedras brutas…
Abro meu sorriso mais largo, divirto-me, regozijo-me.
Agora entendo, com certa amplitude, o segredo que me é aos poucos revelado.
O cinzel continua a brandir ferozmente sua retidão sobre a minha carne de pedra.
Não sinto mais dor, angústia ou medo.
Cada ferida, cada experiência, cada vida, contribui para tornar-me o que devo ser.
Devo procurar a harmonia interior e revelar minhas verdadeiras medidas.
Essa pedra cúbica que busco, de arestas, contornos e polimento quase perfeitos, sempre esteve onde agora está: dentro de mim.
Minha forma verdadeira, traçada pela mente de um Arquiteto Divino, está agora quase revelada.
Justo e perfeito, pronto e acabado, polido e de arestas praticamente irretocáveis,
Ficarei entre as estrelas, entre os irmãos divinos, onde o tempo e o espaço que nós conhecemos não existem mais. 
Estou pronto para o lugar e papel para os quais fui criado e que me competem:
Fazer parte do templo celeste, dedicado exclusivamente ao amor universal.
Fiat Lux.
Somos todos irmãos no destino.
 
(2015)
 
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Escrito em 2015, o poema “Somos Todos Pedras Brutas” foi publicado pela primeira vez em 03 de janeiro de 2021, nos websites associados.
 
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* “O Reino Mineral”.
 
 
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