O Estado de Alma do Homem que Quer
Jean des Vignes Rouges
“Quero recomendar portanto um tipo de
meditação especial, cujo objetivo é orientar
o seu espírito na direção da vitória sobre o
mundo externo. Já não se trata de pensar nos
seus meios, nos instrumentos da sua vontade, mas
de sentir a necessidade de colocá-los em ação.”
Há um certo perigo rondando o indivíduo que pretende educar a sua própria vontade. O perigo está em concentrar os seus esforços quase exclusivamente no território da vida interior. De fato, ele às vezes tem a impressão de que nunca conseguirá estudar com a profundidade necessária os processos secretos da sua vontade. Ele tem um prazer imenso em análises intermináveis. O seu pensamento se volta para o interior, ao invés de tratar de se projetar para fora através de ações.
Uma atitude mental como esta inclina o homem a tornar-se exageradamente sutil, escrupuloso, ele esgota as suas forças realizando “retornos para si mesmo”, ou seja, ele rumina em vão; o seu pensamento confronta falsos problemas fabricados pela sua própria imaginação. Finalmente, se a sua ansiedade aumenta, ele já não sabe querer.
Você deve banir esse estado de espírito, para viver em outro estado, no qual você tem a impressão especial de um “querer” que brota de você como uma onda irresistível.
Para definir esta impressão, devemos tomar como inspiração as análises da escola de psicologia da “Gestalt” (teoria das formas), que vê na vida psíquica uma atividade, uma combinação de “formas”, de “estruturas mentais”, ou seja, de estados de alma extremamente complexos que sintetizam um grande número de elementos, os quais nós percebemos com uma única tomada de consciência, como um conjunto indissolúvel.
Deste ponto de vista, o estado de alma do “homem que quer” parece ser o resultado global de uma multidão de sensações vagas, confusas, impossíveis de ver com nitidez, mas que, reunidas, dão ao sujeito a sensação de ser uma personalidade bem definida. O homem se sente, digamos assim, instalado confortavelmente no seu “eu”. Ele está pronto para dizer ao mundo “que está ali em parte”. Totalmente seguro, confiante, ele não duvida da sua identidade. É bem ele quem está aqui, presente, e dono da sua vontade, estável e sólido. No entanto, ele não reflete, ele não se analisa. No máximo, repercutem em seu espírito, como ecos longínquos, vagas alusões à força que o anima. A verificação desta energia não dá lugar a uma pesquisa ansiosa. Não, o homem sabe que basta fazer um sinal para mobilizar o seu exército de possibilidades.
Esse estado de tensão de todo o seu ser, percebido como uma vontade concentrada e pronta para agir, é algo que talvez você tenha experimentado quando, estando frente a frente com um personagem intimidante, você repetiu para si mesmo: “Ah! Não, ele não vai me surpreender, ele não vai me dominar!” É assim que você se estabelece no estado de espírito do “homem que quer”. Você diz:
“Estou cheio de coragem!”
É evidente que um homem que sente normalmente este estado de alma, como um fato primitivo da sua consciência, possui uma vontade forte. Para ele, querer é como respirar, ocorre quase sem que ele perceba.
Será que esta “estrutura mental”, esta impressão geral de que somos “uma vontade em ação”, pode ser desenvolvida e fortalecida?
Ah! É claro, ela depende em primeiro lugar do “tônus” fisiológico, isto é, do bom funcionamento do corpo e sobretudo do sistema nervoso; mas parece também que determinadas manobras favorecem a sua expansão.
Você pode aprofundar e definir melhor a referência vaga que fiz, mais acima, às suas forças de reserva. Para você ficar “cheio de coragem”, faça um tipo de comentário, ou melhor, realize um rápido exame de sua personalidade. Visualize o fato de que você representa no mundo um indivíduo cheio de força e inteligência, alguém que, em muitas oportunidades, obteve triunfos.
No item “fé em si mesmo” [em «Dictionnaire de la Volonté»], convidei você a fazer um esforço de introspecção consciente para aumentar a autoconfiança. Agora, convido-o a fazer um exercício mais sutil. Trata-se de sentir globalmente este estado de espírito, como uma espécie de pano de fundo, sobre o qual ele se destaca. A lembrança das suas vitórias anteriores deve ser rápida, e até instantânea. É inclusive possível que ela não traga à tona nenhuma imagem específica do passado. Mas ela deve dar a você a intuição fulgurante de que inúmeros atos de tempos anteriores trazem o seu carimbo, a sua marca pessoal.
Sentir-se “cheio de coragem”, sentir-se um ser-humano-que-quer, é de alguma forma estar no estado de um homem que, no que diz respeito à sua própria pessoa, tem a fé ingênua e confiante do homem simples. Nenhuma manifestação externa ocorreu antes deste apoio do espírito, e ainda assim o sujeito acredita na sua própria força: está satisfeito consigo mesmo. Melhor ainda, ele ama a si mesmo, porque sente que ele próprio é uma prova viva da existência da verdade.
É possível que esse estado de espírito leve o sujeito a demonstrar às vezes um orgulho infantil. Quem o observa logo percebe que ele está pensando: “estou totalmente certo!” Mas é preciso registrar que os grandes voluntários espontâneos [1] com frequência demonstram ter um caráter em que o psicólogo enxerga esse ardor ingênuo e franco.
Para evitar possíveis exageros, será aconselhável de vez em quando usar o espírito crítico para domar o orgulho.
Ao refletir sobre esse “estado de alma que gira em torno da vontade”, considerado como uma sensação global da personalidade, você será levado igualmente a reconhecer como é correto acostumar-se a vivê-lo como um estado normal. Com muita frequência, talvez, o ato de vontade vai parecer a você uma proeza excepcional, e depois dele você vai esfregar as mãos de contente e prometer a si mesmo um merecido descanso.
Na verdade, é bom repousar depois de um esforço violento; mas você deve sentir que a sua vontade funciona com facilidade, sem que a tensão se torne dolorosa.
Quero recomendar portanto um tipo de meditação especial, cujo objetivo é orientar o seu espírito na direção da vitória sobre o mundo externo. Já não se trata de pensar nos seus meios, nos instrumentos da sua vontade, mas de sentir a necessidade de colocá-los em ação. Você deve perceber a si mesmo como uma força que quer “inserir-se na realidade”. Torne-se consciente do impulso vital que o conduz pela vida. Em outras palavras, você deve sentir intuitivamente a sua vontade como um impulso autônomo e poderoso; algo como um princípio metafísico, ao qual você obedece com satisfação e irresistivelmente.
Estas meditações que acompanham silenciosamente a tensão da vontade poderão tornar-se mais eficientes através do uso de procedimentos materiais?
Talvez.
Aqui estão alguns movimentos que aconselho você a executar nos momentos em que você decide acumular energias; e graças a eles a sua vontade se lançará com mais força à vitória sobre o mundo externo. Naturalmente esses movimentos agem nas circunstâncias concretas sobretudo como símbolos que assinalam de alguma forma o caminho para a rápida evocação dos projetos, das ideias e dos impulsos de toda uma massa psíquica que aspira a brotar desde você na forma de atos que expressam vontade.
Movimentos físicos que significam atrair algo para você podem tornar-se símbolos de processos de aquisição. É como “puxar para si”.
Os gestos que afastam e repelem são, ao contrário, símbolos de uma barreira que colocamos contra as forças hostis.
Movimentos que elevam podem significar o impulso espiritual da vontade. Os movimentos de apoio sobre o solo acentuam a obstinação, o desejo do espírito de estabelecer-se na realidade. Pense por exemplo no gesto do punho que bate na mesa.
Você poderá, assim, imaginar toda uma série de pequenos gestos que, uma vez que se tenham tornado maquinais, irão estimular de forma útil uma tensão maciça e global do conjunto da sua vontade. Graças a isso, a sua vontade parecerá diante de você mesmo e diante dos outros como uma “força da natureza”.
NOTA:
[1] Voluntários: na obra de JVR, um “voluntário” é uma pessoa de vontade própria, e de vontade forte. O “involuntário” age por impulsos, não tem vontade própria, é levado pelas circunstâncias. (CCA)
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O artigo “Tensão da Vontade” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 28 de dezembro de 2024. Trata-se da tradução de um item do livro «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, pp. 302-305. Título original: “Tension de la Volonté”. A tradução é de Carlos Cardoso Aveline.
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Leia mais:
* Outros textos de Jean des Vignes Rouges.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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