O Sentimento Altruísta Acende
a Luz Imortal na Alma do Peregrino
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
 
 
Quando se pensa em compreender teosofia, há algo básico que não se pode esquecer: a motivação interior do peregrino determina o que ele pode, ou não pode, alcançar.
 
Enquanto o objetivo for a libertação individual, a libertação não será encontrada. A iluminação acontece quando o objetivo é mais elevado que ela própria. Ela surge como subproduto. Ela deve ser um instrumento, e não a meta central.
 
O altruísmo é a porta para o conhecimento do universo.
 
A Raja Ioga constitui um instrumento para chegar a algo e não a meta em si. Na existência dos seres vivos, a função cria o órgão. A ação, o esforço e a tentativa produzem o instrumento necessário para alcançar um objetivo. Para que a Raja Ioga ocorra, a meta básica precisa ser suprema. [1]
 
Quando a tentativa de trilhar o Caminho é feita pelo estudante para expandir o seu próprio conforto emocional e físico, o progresso do espírito permanece pequeno. Nenhum conhecimento técnico é eficaz na ausência da devoção completa a um ideal elevado.  
 
Uma perspectiva estreita e pequena, presa ao eu inferior, não pode levar a uma meta grande, que pertence ao mundo celeste. Para chegar ao campo magnético mais elevado, que está sob observação dos Mestres e seus discípulos diretos, é preciso pensar em coisas mais amplas e mais legítimas do que a mera ideia de libertação individual.
 
A provação é parte da caminhada. Os tropeços trazem lições. E embora a pureza completa de sentimentos esteja reservada aos discípulos avançados, todo aprendiz de teosofia deve ter uma forte vontade de ajudar não a si mesmo, mas à humanidade. Isso o torna merecedor de ajuda e lhe dá a chave central para compreender a filosofia do universo, e para aperfeiçoar a si mesmo. H.P. Blavatsky abordou esse princípio em seus escritos: é ajudando os outros que o peregrino ajuda a si mesmo. Só se pode colher o que se planta.
 
Por outro lado, o altruísmo não surge como elemento isolado. Necessita estar ao lado de uma sólida autoestima e de um estável respeito do peregrino por si mesmo.  
 
O eu inferior tem grande valor como auxiliar da alma imortal. A autoestima permite o autocontrole, fator necessário para que o peregrino gere bom carma promovendo a aprendizagem espiritual de outros seres.  
 
Não há caminho externamente confortável em teosofia. O caminho do Saber Elevado é o caminho da autorrestrição e da disciplina do eu inferior.
 
O  progresso no discernimento é quase sempre vagaroso. A visão do Todo, que caracteriza o Sábio, desfaz pouco a pouco a ilusão da vida individual separada e produz inevitavelmente um sentimento de Compaixão, Renúncia, e Disciplina. Neste caminho encontra-se uma felicidade silenciosa, imorredoura.
 
Ao abordar o significado do grau 22 do signo de Libra, Marc Edmund Jones escreveu que “através da solidariedade criativa com os outros o indivíduo passa a experimentar a sua própria imortalidade”. [2]
 
Nem o altruísmo nem a noção direta da vida imortal nascem porque alguém deseja libertar-se pessoalmente da ignorância. A sabedoria decorre de enxergar com clareza a ilusão inerente a tudo o que é superficial, ou egoísta, ou estreito.
 
Resolvida esta questão, o resto se acomoda de modo natural.
 
As Duas Funções do Estudo
 
A ioga aponta para a integração dos vários aspectos do ser humano.
 
Quando observado desde o ponto de vista da teosofia independente – isto é, da teosofia em que cada estudante avança com autorresponsabilidade – o caminho da ioga tem duas funções principais.
 
Uma função, que podemos chamar de Coleta, é reunir elementos de informação que sejam úteis para o peregrino, isto é, que esclareçam a sua visão de si mesmo e da vida e mostrem possibilidades práticas para melhorar a si próprio.
 
A função da Coleta é seletiva. Implica dizer não. O estudante evita a memorização detalhada de informações que – embora fascinantes talvez – não ajudam a sua aprendizagem  da arte de viver. O peregrino elimina todo sentimento de autoimportância. Ele deixa de lado a ideia de que o conhecimento espiritual seja algo limitado a palavras e conceitos.  
 
A prática diária vai além do plano físico ou material.
 
A pura contemplação é uma forma de prática concreta. Encaradas desde o ponto de vista da alma, as mais abstratas ideias sobre a natureza do universo e a vigência da lei eterna iluminam a vida diária do estudante, inclusive fisicamente, porque ativam em sua consciência a inteligência espiritual. O estudo contemplativo cria novos circuitos cerebrais que interagem com o conhecimento divino, criando uma relação radicalmente diferente com o mundo material.
 
O estudo das leis abstratas e universais muda, portanto, a natureza das células do corpo físico de cada estudante, que vivem em perpétua renovação. Há então uma mudança na consciência do peregrino, e a sua aprendizagem une o mais alto e o mais terrestre.
 
Depois da Coleta de Dados,
a Integração da Consciência
 
A segunda grande função do estudo de ioga consiste na Integração dos elementos esparsos de conhecimento sagrado que o estudante reuniu e continua a reunir. No momento certo, os muitos dados isolados passam a iluminar, transformar e harmonizar a vida diária.
 
Aqui o estudante aprofunda a percepção de que, como indivíduo, é dono de paz e de discernimento. O aprendiz compreende que o seu passado inclui um número significativo de encarnações, e que o seu futuro é igualmente imenso. 
 
A palavra “Ioga” significa uma Integração vertical entre o elevado e o não-elevado, entre o celeste e o terrestre, entre Atma (a estrela) e o corpo físico.
 
Esta integração entre o básico e o celestial produz, ou amplia, pela serena concentração, a unidade horizontal entre os diferentes sentimentos, no plano das emoções. Ela unifica os distintos pensamentos, no plano mental, e as diversas ações do indivíduo no plano físico.
 
Tudo se alinha, tudo se harmoniza, ainda que imperfeitamente, dentro e fora da alma do estudante.
 
A integração reúne os diversos aspectos do ser e os torna compatíveis sem fazer barulho, sem chamar atenção, sem necessidade de discursos. Faz isso de modo natural, silencioso, e às vezes súbito. Mas é quase imperceptível para os níveis inferiores da mente. No seu nível externo, que é visível, o processo da integração é deselegante, precário e incompleto.
 
Através do equilíbrio e da justiça, a Integração coloca vitórias e fracassos no contexto sagrado da aprendizagem.
 
O mistério da harmonia de todos os elementos do ser ocorre graças ao contato com a alma imortal.
 
A experiência acumulada do movimento teosófico sugere que cada estudante deve construir a sua própria forma de ioga. Para isso, cabe combinar elementos de Autodisciplina, como na Raja Ioga, com elementos de Contemplação e Estudo Abstrato como em Jnana Ioga. A Ação Altruísta de Carma Ioga é necessária, ao lado da prática da Devoção Impessoal, como em Bhakti Ioga.
 
Exercícios Físicos Adequados
 
Da Hatha Ioga o aprendiz incorpora exercícios físicos meditativos, adequados à sua caminhada. Ele pode aprender algo da arte de evocar o mais elevado, em afinidade com a Mantra Ioga.
 
A Ioga do Som ou Mantra Ioga é abordada nos Aforismos de Patañjali. Num plano abstrato, ela está implícita no “Diagrama de Meditação”, de Helena Blavatsky.
 
A este conjunto de disciplinas na busca do conhecimento divino pode ser dado o nome de Raja Ioga, no sentido de que nelas deve predominar a busca da consciência mais elevada, combinada com a autodisciplina, o autoconhecimento, o autocontrole, e a autotransformação no rumo do mundo divino.
 
A prática do silêncio é fonte de Integração. No processo da quietude a paz transmuta todas as coisas. Do sentido da unidade pessoal com o todo infinito nasce a compaixão universal.
 
Em ioga, como em teosofia, não há desprezo pela dimensão física da vida. Ao contrário. O estudante reconhece que o mundo material faz parte do mundo divino. O que deve ser deixado de lado é apenas o apego cego ao aspecto físico da existência.
 
Estabelecido o equilíbrio, firmada a integração dos diferentes níveis de espaço e tempo da alma, a luz de Atma brilha com força. O tempo eterno se faz presente e há uma transfiguração gradual da vida diária.
 
Embora o processo da Ioga seja tão vasto como o universo, ele cabe perfeitamente na alma simples do estudante que caminha para o alto, ajudando os seres a seu redor.
 
NOTAS:
 
[1] O objetivo dos grandes Iniciados e dos aspirantes à sabedoria não é obter “poderes” ou libertação isoladamente. É ajudar a humanidade em seu sofrimento. Eventuais poderes e libertação pessoal são meros instrumentos para ajudar e beneficiar a Onda de Vida de nosso planeta,  através da expressão prática da boa vontade universal.
 
[2] “The Sabian Symbols in Astrology”, Dr. Marc Edmund Jones, Aurora Press, Santa Fe, New Mexico, EUA, copyright 1993, 437 pp., p. 171. Cabe registrar que a obra de Dane Rudhyar sobre o tema dos símbolos sabianos não tem a mesma força do enfoque original desenvolvido por Marc Edmund Jones. Espera-se o momento em que uma boa editora traduza ao português o livro de Jones, para benefício do grande público.
 
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O artigo “A Raja Ioga e a Compaixão” está disponível como item independente nos websites associados desde 20 de novembro de 2022. Uma versão inicial dele foi publicada na edição de novembro de 2020 de “O  Teosofista”.
 
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Pequenas Ações Práticas
 
* Reveja o texto acima, escolhendo os pontos mais úteis. Registre em um caderno de anotações aquilo que chama atenção por ajudar você no momento atual. Comente com alguém sobre isso.
 
* Imprima os textos dos websites associados. Com frequência a leitura em papel permite uma compreensão mais profunda. Ao estudar um artigo impresso, o leitor pode sublinhar e fazer comentários manuscritos nas margens, ligando diretamente o ensinamento à sua realidade concreta.
 
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Leia mais:
 
 
 
 
 
 
* Aforismos de Ioga, de Patañjali (o livro de William Q. Judge).
 
* Raja Yoga ou a Conquista da Natureza Interna (livro clássico de Swami Vivekananda).
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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