A Traição Contra Helena
Blavatsky Começa nos Anos 1880
Carlos Cardoso Aveline
Na foto, HPB e Henry S. Olcott. Um Mestre de Sabedoria esclarece:
o fracasso de Olcott ocorreu devido ao medo de defender a verdade.
No século 19, o cristianismo foi usado como ponta de lança colonialista para reduzir a força da cultura religiosa e filosófica tradicional da Índia, e para consolidar a dominação britânica naquele país.
Tão logo o movimento teosófico ganhou força e influência ao mostrar o valor das sabedorias orientais, começaram os ataques dos missionários cristãos contra Helena Blavatsky e a Teosofia. Em 1884-1885, a campanha antiteosófica passou a incluir táticas como suborno, infiltração de agentes no movimento e falsas denúncias com grande cobertura da mídia.
Diante disso, os teosofistas situados em Adyar – sede internacional da Sociedade Teosófica – sentiram-se intimidados e assustados. Faltou-lhes coragem. Salvo exceções, deixaram de defender a fundadora do movimento.
Poucos entre eles haviam compreendido um fato básico:
Todo aspirante à sabedoria é atacado e testado no plano moral, e isso acontece na exata medida do seu esforço para elevar-se no plano do espírito. A integridade do aprendiz, a sua capacidade de ser implacavelmente honesto consigo mesmo e com os outros, é a única base sobre a qual pode acontecer o aprendizado da alma.
Atacada de vários modos, defendida por poucos, Helena Blavatsky adoeceu gravemente, mas a sua missão não poderia terminar naquele momento. A saúde da escritora russa foi restabelecida no essencial por um Mestre. Ela viajou para a Europa, terminou de recuperar-se e dedicou-se a redigir “A Doutrina Secreta”.
Com os ataques de 1884-1885, rompeu-se um certo vínculo magnético em várias frentes. Vejamos alguns exemplos:
* As Cartas dos Mestres deixam de fluir. Frustrado, Alfred P. Sinnett afasta-se de Blavatsky. Incapaz de aceitar o fato de que os Mestres haviam decidido fazer silêncio, Sinnett cai em conversas mediúnicas imaginárias com falsos Mestres.
* Damodar Mavalankar, discípulo avançado, um braço direito de HPB, chega ao limite da sua resistência humana. É obrigado a retirar-se de Adyar e, convidado por seu instrutor, vai para um Ashram dos Mestres.
* Subba Row, outro discípulo avançado, não tem a mesma sorte que Damodar. Caindo no círculo magnético da desorientação, ele perde o bom senso e morre pouco depois.
* Charles Leadbeater, que havia sido aceito como discípulo em provação, falha no teste. Mais tarde, quando é organizada na Inglaterra a Escola Esotérica, Leadbeater não é admitido nela por H.P.B. Este dado é, aliás, decisivo para demonstrar que Leadbeater fracassou como discípulo. Ao invés de estar na Escola Esotérica, ele passou a fazer parte de um grupo rival em Londres, liderado por Alfred Sinnett, que já caíra no mundo da falsa clarividência.
* A vasta maioria dos teosofistas situados em Adyar perde o foco, enquanto HPB retoma com força o seu trabalho a partir de 1887, desde Londres.
Quem estuda os documentos da época, fartamente publicados hoje, vê, portanto, que a traição à fundadora do movimento começou sete anos antes da morte dela, e “floresceu” mais livremente sob a liderança de Annie Besant depois que HPB abandonou a vida física em 1891.
As pessoas estavam despreparadas para a busca da sabedoria.
A ponte entre os mestres espirituais do Oriente e a civilização ocidental fracassava, com algumas exceções. Abriam-se as portas para as grandes guerras mundiais. Estavam dadas as bases da decadência moral e da falta de bom senso que reinariam no século 20 e nas primeiras décadas do século 21.
Em uma carta de 1885 a Alfred Sinnett, quando Sinnett ainda não havia se voltado contra ela, H.P.B. descreve o modo como os teosofistas de Adyar se recusam sistematicamente a defendê-la, ou a defender a verdade, e desabafa:
“Por que os meus melhores amigos permitem que eu seja tão caluniada?” [1]
Na mesma carta, duas páginas mais adiante, ela acrescenta com a franqueza de quem nasceu sob o signo de Leão e confia na luz do Sol e da verdade:
“Enquanto meus inimigos me reduzem a pedaços, o pessoal de Adyar brinca de ‘esconde-esconde’ – eles fingem que estão mortos – ah! Os pobres miseráveis covardes! (….) Eu digo a você, eu sofro mais com estes traidores teosóficos do que com os Coulomb, os Patterson, ou mesmo a S.P.P.”. [2]
Talvez ela estivesse advertindo Sinnett sobre o perigo de ele seguir o mesmo rumo. Felizmente, ele jamais a atacou no plano pessoal. Perdeu o foco, mas não foi um traidor no sentido frontal do termo.
Em 16 de junho de 1885, Blavatsky escreveu em uma carta a Francesca Arundale:
“E, ah, querida, quantos traidores e Judas de todas as cores e tonalidades nós temos no próprio coração da Sociedade. A ambição é um conselheiro terrível!” [3]
HPB devia saber o que estava dizendo, ao usar esta linguagem enfática. Ela passou por uma crucificação moral e emocional em vida.
Um século depois, em 1986, a Sociedade de Pesquisas Psíquicas (S.P.P.), que a acusara de fraude, finalmente admitiu os fatos, ainda que indiretamente. HPB era honesta e inocente: a fraude estava apenas nas acusações da própria S.P.P. contra ela.
Na primeira metade do século 21, um pequeno número de teosofistas compreende o caráter absolutamente central da ética e da honestidade como bases de todo conhecimento teosófico ou filosófico. É razoável esperar que este número cresça, abrindo espaço para um melhor contato com as verdadeiras fontes de conhecimento e inspiração.
Algumas Palavras Sobre Olcott
Cabe registrar ainda a atitude adotada pelo presidente-fundador da Sociedade Teosófica, Henry Olcott, diante destes desafios todos. E a atitude dele não foi brilhante. Diante da campanha antiteosófica, o presidente foi guiado pelo medo, deixando de lado a verdade e abandonando a ideia de ser leal.
Referindo-se Olcott, o Mestre disse a Blavatsky:
* “…Ele demonstrou fraqueza moral, tanto quanto fraqueza física…”.
* “…A Sociedade libertou-se do nosso controle e influência e a deixamos ir – não fazemos escravos à força. Ele disse que a salvou? Ele salvou seu corpo, mas permitiu, por puro medo, que sua alma escapasse, e ela é agora um cadáver sem alma, uma máquina que ainda funciona bastante bem, mas que se despedaçará quando ele se for.” [4]
As palavras foram anotadas por HPB e graças a C. Jinarajadasa hoje fazem parte das Cartas dos Mestres. No futuro provavelmente será dada a elas a sua devida importância.
Comentando o fato de que Olcott abriu as portas do movimento teosófico para os inimigos da verdade, Blavatsky declarou em 1885:
“Antes ou depois de morrer, nunca perdoarei o coronel Olcott…”. [5]
NOTAS:
[1] “The Letters of H.P. Blavatsky to A. P. Sinnett”, Theosophical University Press, Pasadena, California, 1973, 404 pp., ver Carta XLVI, p. 112.
[2] “The Letters of H.P. Blavatsky to A. P. Sinnett”, volume citado, Carta XLVI, p. 114. Veja também o artigo “Por Que Não Volto à Índia”, de HPB.
[3] “The Letters of H. P. Blavatsky to A. P. Sinnett”, volume citado, Carta XLII, p. 95. A ambição subconsciente está entre os fatores que estimulam os covardes a não apoiarem os líderes, quando os líderes são injustamente atacados. Há nisso também um elemento de ingratidão.
[4] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, compiladas e editadas por C. Jinarajadasa, Ed. Teosófica, Brasília, 295 pp., 1996, ver p. 107 (primeiro trecho) e p. 108 (segundo trecho). Toda a carta 47 da primeira série (pp. 107-109) descreve o fracasso de Henry Olcott, mais tarde levado às suas últimas consequências por sua sucessora Annie Besant.
[5] “Collected Writings”, H. P. Blavatsky, TPH, EUA, volume VI, p. 326.
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O artigo “HPB e os Pobres Covardes em Adyar” está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 24 de maio de 2023.
Uma versão inicial do texto foi publicada anonimamente no número 01 de “O Teosofista”, em junho de 2007. Título original: “‘Pobres Covardes em Adyar’: a Traição a H.P. Blavatsky Começa nos Anos 1880”.
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Leia mais:
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Para ler mais sobre a mal-disfarçada traição contra HPB e o trabalho dos Mahatmas, clique para ver, em inglês, o livro de Alice Cleather intitulado “H.P. Blavatsky: A Great Betrayal”.
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Sobre o papel do movimento esotérico no despertar ético da humanidade durante o século 21, veja o livro “The Fire and Light of Theosophical Literature”, de Carlos Cardoso Aveline.
Publicado em 2013 por The Aquarian Theosophist, o volume tem 255 páginas. Contato: Indelodge@gmail.com.
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