
A Ioga Pode Ser Considerada um
Treinamento no Rumo do Autocontrole
Jean des Vignes Rouges

A Ioga é um método de treinamento da vontade que vem da filosofia hindu, cuja origem acredita-se ser anterior ao budismo. Ela foi transmitida por meio de livros, dos quais o principal é o “Bhagavad-Gita”. O “Gita” afirma que o objetivo da doutrina é levar o homem à libertação, tirando-o da ignorância e do pecado, o que leva a identificar-se com o princípio supremo.
As práticas de ioga tiveram um sucesso imenso e encontraram muitos seguidores inclusive nos países ocidentais. A maior parte dos manuais populares de “ciências ocultas” e “psiquismo”, e mesmo os famosos métodos norte-americanos de educação da vontade, são inspirados pela Ioga.
No entanto, o espírito ocidental, apaixonado pela ação e pelo sucesso, dedicou-se a reter da Ioga apenas aqueles procedimentos que permitem o desenvolvimento de faculdades capazes de produzir resultados materiais.
Considerados deste ponto de vista, os inúmeros exercícios e procedimentos da Ioga podem ser reduzidos a quatro tipos:
O primeiro inclui todas as receitas que tendem a desenvolver a concentração mental. Expliquei na abordagem desta palavra o que significa isso. [1] Destaco novamente que na doutrina pura da Ioga, a concentração é a arte de encadear pensamentos claros, com a intenção de buscar o princípio que une todos os seres: não se trata de um devaneio confuso. É preciso reconhecer que a Ioga, neste ponto, está de acordo com a psicologia moderna.
O segundo tipo de exercícios é o treinamento que visa parar o pensamento. É o relaxamento. (Veja a palavra “relaxation” em «Dictionnaire de la Volonté»). O seu valor prático também não pode ser desprezado. De fato, numerosas pessoas nervosas literalmente jogam fora as suas forças, entregando a sua consciência a um verdadeiro turbilhão de pensamentos descontrolados. Quantas pessoas se deixam atormentar por inquietudes, preocupações, arrependimentos e remorsos! Tais pessoas são, por causa disso, escravas das suas representações mentais.
Ao insistir na necessidade de interromper o fluxo das ideias parasitas ou prejudiciais, a Ioga pode, portanto, ser considerada um treinamento no rumo do autocontrole.
O terceiro método é a autossugestão, através de afirmações repetidas e detalhadas. Exemplo: “Tenho coragem, enfrento com contentamento todas as dificuldades, quanto mais altos os obstáculos no meu caminho, mais eles me atraem, e corro para superá-los, etc.” Ou: “Minha memória é excelente, tudo o que fico sabendo permanece gravado na minha mente, à minha disposição”, e assim por diante. Na palavra “Autossugestão” (no “Dictionnaire de la Volonté”) eu indico os resultados práticos que podem ser esperados desta prática.
Mas a Ioga tem objetivos mais ambiciosos. Ela afirma, e esta é a quarta categoria dos seus métodos, que ao usar com habilidade esses instrumentos de ação sobre si mesmo, que são concentração, respiração ritmada, suspensão da consciência, etc., o indivíduo pode despertar em si mesmo órgãos de faculdades superiores, extranormais.
Muitos filósofos de destaque, entre eles H. de Keyserling, embora reconheçam que a observação dessas faculdades supranormais não foi feita cientificamente, não fazem em princípio qualquer objeção contra essa hipótese. Eles destacam, com toda razão, que o Universo, quando visto e sentido por um inseto, deve ser muito diferente do Universo que nós percebemos. Mesmo entre os seres humanos, quantas diferenças existem na capacidade de perceber! Portanto, não é absurdo, em princípio, imaginar que certos indivíduos, ao se dedicarem a uma determinada ginástica especial, como a Ioga, possam criar ou desenvolver em si mesmos poderes desconhecidos dos homens comuns.
Para os Iogues – apóstolos da Ioga – esta possibilidade é uma certeza. Graças aos seus exercícios repetidos e alternados de concentração e paralisação, eles afirmam possuir uma vontade especial.
Mas esta vontade, nos praticantes da Ioga pura, despreza a conquista do mundo material. Ela está livre das ilusões de Maya. Ela acredita que o homem vive muito mais intensamente quando consegue se identificar com o Princípio Universal. Este é o objetivo supremo da vontade. Em outras palavras, o verdadeiro Iogue busca o êxtase bem-aventurado, a contemplação direta de Deus.
A doutrina da Ioga, em sua pureza, é, portanto, moral, pois convida o seu praticante a reconhecer os outros em si mesmo, sendo todos os seres humanos filhos do mesmo Princípio Divino.
Mas é preciso admitir também o seguinte: entre aqueles que se autodenominam Iogues, no mundo moderno, há muitos cujo único objetivo é tratar de obter poderes anormais, com a intenção de usá-los para a satisfação de seus apetites. No entanto, não é possível distorcer impunemente uma doutrina criada com o objetivo de espiritualizar os seus seguidores e levá-los à perfeição. Quando são adaptadas a metas egoístas e quando visam o desenvolvimento de poderes “sobrenaturais”, as práticas de Ioga muitas vezes causam transtornos psicológicos. A imaginação perigosamente superexcitada passa a dominar a mente. É um estado mental absolutamente contrário ao que chamamos de vontade. A vontade consiste na harmonização de todas as tendências.
(Bellerive-sur-Allier, França, 1943-1944.)
NOTA:
[1] Veja o artigo “Concentração – a Força da Ideia Única”.
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O artigo “Ioga – Os Poderes da Vontade” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 02 de fevereiro de 2025. Trata-se de uma tradução de um item da obra «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, pp. 314-316. Título original: “Yoga – Les Pouvoirs ‘Supra Normaux’ de la Volonté”. Tradução: Carlos Cardoso Aveline. O texto em francês está disponível online: Yoga – Les Pouvoirs de la Volonté.
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Prática Espiritual:
Memória e Concentração
* O seguinte exercício faz parte da prática de Raja Ioga, e reforça a memória e a capacidade de concentração mental do peregrino:
Depois de estudar um texto filosófico, concentre o pensamento no que acaba de ler. Diga a si mesmo quais são as ideias principais do artigo, e reflita sobre o assunto.
A prática é recomendada na obra “Catorce Lecciones de Raja Yoga”, de Swami Sivananda, Centros de Yoga Sivananda Vedanta, 1994, 132 pp., ver p. 97, item 26.
(CCA)
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Leia mais:
* Outros textos de Jean des Vignes Rouges.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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